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sábado, 6 de janeiro de 2024

Sal da Terra em Terras dos Brasis (I/2024)

 

    “Como vemos e somos vistos na cultura brasileira” é o subtítulo deste maravilhoso livro de missiologia, “Sal da terra em Terra dos Brasis”, de Rev. Wadislau Martins Gomes, mas não de uma missiologia “departamental”, estanque ou vista como “um braço da Igreja”. Mas, Igreja, qual é a missão que Jesus lhe comissionou?

    Rev. Wadislau foge dos mitos e lugares-comuns da atual missiologia, cada vez mais contaminada por um viés ideológico, e expõe a idolatria do “ide” que tem levado a obra missionária a um pragmatismo, ora romântico, ora triunfalista, do “ir” cada vez mais longe, enquanto a Igreja Local se distancia do ensino bíblico de que muito mais importante do que simplesmente “ir” é COMO “ir”. Assim, mais do que nunca, acho que também posso dizer isto após a leitura do livro: é preciso que a Igreja aprenda a como FICAR.

    Identifico, como professor de Comunicação Transcultural para missionários brasileiros, que a energia investida para se comunicar com uma outra cultura tem sido inversamente proporcional ao esforço de se compreender a própria cultura brasileira na sua mais rica variedade étnica, social, etária e multicultural. Para mim, esse livro torna-se um bálsamo no meu projeto educacional de fazer com que o missionário entenda que, se ele não aprender a fazer uma leitura mais correta e mais precisa das relações humanas dentro de seu próprio país, dificilmente ele aplicará as ferramentas da comunicação à cultura-alvo. É um livro que trabalha com farta literatura nacional brasileira e ensina o leitor-missionário a ser sensível e atento à voz artística do nosso povo em todas as suas expressões. A produção artística precisa ser levada em conta no Campo Transcultural, pois a música, a poesia, os mitos, a pintura, a escultura e, entre tantas outras coisas, até mesmo a produção acadêmica dos próprios nacionais (quando houver) — aprender a ver como eles veem a si mesmos — tudo isso nos ensina a compreendê-los. Mas, antes de tudo, defendo que é aqui, em sua própria cultura, país e língua que o missionário transcultural precisa fazer o dever de casa de treinar o que pretende fazer “lá fora”.

    A missão da Igreja é glorificar a Deus onde quer que ela se encontre. A Igreja não é chamada para um lugar, mas para brilhar onde quer que esteja. Missão é evangelização e evangelização é cumprir a missão dada por Deus à Igreja. A evangelização não pode estar desassociada do discipulado, de caminhar junto, de andar lado a lado com a pessoa que Deus tem nos dado para ouvir, ver e compreender da nossa boca e da nossa vida a beleza evangélica da mensagem salvadora. Aliás, o tema da beleza perpassa toda a exposição do Evangelho feita nas 551 páginas desta obra que, muito mais do que ser lida, precisa ser estudada. A mensagem evangélica total deve atingir inteiramente a vida do evangelizado. Os subtemas abundam diante dos olhos do leitor: “Beleza ou feiura são coisas do coração”, “O ambiente da vida cristã: a beleza de Cristo na face da Igreja”, “Cristo em nós e nós em Cristo: um ambiente de beleza” etc. Destarte, é necessário que o trabalho evangelístico da Igreja se veja como uma ação de aconselhamento, pois “evangelização é aconselhamento e aconselhamento é evangelização”.

    Eu e você, Igreja do Senhor, precisamos retornar ao Evangelho e compreendermos “as novas do Reino” (parte 1 do livro), que precisam ser manifestadas ao outro por meio de uma “fé arrependida”, que caminha diariamente em santidade, e apresenta as bases claras do Reino (parte 2) sem evangeliquês e firmadas numa exegese correta sobre o texto de Mateus da Grande Comissão. O programa de avanço missionário da Igreja é a própria vida diária da Igreja onde quer que ela esteja, por isso é preciso voltar aos temas da natureza da Igreja, seu propósito, finalidade e vocação. Sem um correto entendimento do que é Igreja, corremos o risco de nos perdermos na nossa relação com a cultura secular e condenarmo-nos também a uma visão ideológica da ação social (parte 4).

    Por fim, Missão é instrução, comunhão, adoração e serviço. Sua mensagem deve ser cristocêntrica, pregar a obra completa de Cristo, sua encarnação, sua vida de obediência, a morte vicária, ressurreição e ascensão!

    “Sal da Terra em Terras dos Brasis” ainda nos presenteia com um estudo acerca dos dons do Espírito Santo, sua função e finalidade. Contudo, o que, especialmente, chamou-me a atenção é a ênfase que o livro dá ao tema da comunicação, mas não qualquer comunicação, a nossa comunicação é evangelizadora! Além do tema da comunicação, surpreendeu-me encontrar na obra um verdadeiro “modelo” para multiplicação de Igrejas. Ora, missão não é fazer discípulos? Discípulos não formam igrejas? Igrejas não são plantadas para resplandecer no mundo a face de Deus? Então, você encontrará neste livro um modelo de plantação de igreja desafiador para que nossas igrejas locais se multipliquem, ou melhor, sejam transplantadas!

    Enfim, surpreende-me que a 1ª edição desse livro seja de 1984 (houve uma 2ª edição em 1999 e, posteriormente, uma 3ª aumentada e revisada no ano de 2014)! O que eu quero dizer é que as ideias que teriam amadurecido e evitado que a Igreja Brasileira tivesse cometido tantos equívocos nas últimas duas décadas estavam à disposição, mas será que ninguém leu este livro? Será que nossas lideranças, nossos seminários, nossos professores nunca tiveram acesso às exposições feitas aqui neste livro? Você deve ler este livro.

    “Sal da Terra em Terras dos Brasis” é um livro que me assombrou por várias razões. Primeira, o autor foi meu primeiro pastor, assim que fui regatado do Império das Trevas. Segunda, embora o autor tenha sido meu pastor por apenas 2 ou 3 anos, os temas sobre os quais escrevi e dei aula nestes anos todos coincidem com os que li aqui nesse livro. O que me fez perguntar, durante a minha impactante experiência de leitura, se a influência do Rev. Wadislau foi tão marcante em mim a esse ponto! Terceira razão, a leitura deste livro me serviu não apenas para confirmar que muitas das coisas que vinha defendendo são realmente bíblicas (embora nem sempre aceitas pelas igrejas de hoje em dia), mas serviu-me também para proteger-me de certos desvios que, com a leitura desse livro, consegui perceber na relação Igreja-comunicação-cultura. A quarta razão é poder voltar a ter mais contato com o Pastor Wadislau e sua esposa, a Elizabeth. Por todas essas razões quero não apenas indicar a leitura deste livro, mas trazê-lo à sala de aula das EBDs e Seminários, pois seus temas e exposições são urgentes para a Igreja Brasileira de Fé Reformada, para que alcancemos o prumo certo no tratamento correto do tema de missiologia.

    Estou convencido de que este livro é fundamental para pastores e líderes de Igreja e para aquele missionário que você acompanha e ora por ele. Sem sombra de dúvida, você estará fazendo o melhor investimento possível no ministério de nossos pastores, líderes e missionários presenteando-os com esta obra riquíssima.


Fábio Ribas

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    O texto acima deve ter sido publicado, pela primeira vez, em 2015 ou 2016. Fiz uma leve correção, mas, como me fez bem reencontrar-me com o que escrevi há tantos anos, principalmente neste momento atual do meu ministério. 

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