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domingo, 17 de março de 2024

A pedagogia da mentira

 

Você já parou para pensar que, para a maioria das pessoas, uma folha de papel cheia de palavras é igual a um painel de controle de avião? E que o mesmo ocorre diante de uma folha da Bíblia? E eu não estou falando sobre pessoas que não sabem ler.

Infelizmente, uma folha aberta de uma Bíblia, para muitos jovens e adultos de Ensino Médio e Universitários, continua a ser um painel de controle de avião. As palavras estão todas ali, mas e daí? Wittgenstein é quem faz essa comparação entre uma folha cheia de palavras e o painel de controle do avião. Ele faz isso para nos chamar a atenção sobre o problema da comunicação humana.

Assim, não é de admirar que as pessoas prefiram o caminho mais curto, a porta mais larga do argumentum ad verecundiam ou argumentum magister dixit, que é a falácia de se apelar a uma autoridade humana. Isso tem levado muitos a se deixarem nas mãos de falsos pastores e igrejas manipuladoras e, quando perguntados sobre a razão deles se deixarem levar pelo abuso espiritual, a resposta é sempre a mesma: “o pastor disse”, “a profetisa falou”, o “ungido determinou”, etc. O apelo é sempre às pessoas que possuem uma pretensa “autoridade espiritual”. A partir disso, vemos uma multidão seguindo profetas, apóstolos e igrejas de “poder”, enquanto a ignorância bíblica e a inabilidade de aplicar suas verdades à prática diária se aprofundam cada vez mais.

Enquanto escrevo este texto, farei uma digressão, pois não posso deixar de pensar na minha filha mais velha, que vem estudando tenazmente para o vestibular, Enem e outras coisinhas semelhantes. O que tem me surpreendido é a orientação da escola dela, que adotou o método Anglo de Ensino, quanto à produção das redações: é preciso citações! Ainda que você não tenha lido o livro de Fulano e de Ciclano (e a maioria dos colegas de sala de aula da minha filha realmente nunca leu um livro sequer desses tais autores), é preciso, segundo a orientação dos “grandes mestres da redação”, que sua redação apele à autoridade desses filósofos, sociólogos, personagens históricos e tantos outros. Eu vejo os colegas da minha filha buscando na internet aqueles sites de páginas de citações, para rechear seus textos de frases de pessoas que eles sequer um dia tinham ouvido falar, mas que seus professores citam. O que me faz pensar que esses professores podem também estar apenas citando o que, um dia, citaram para eles num ciclo tenebroso de papagaismo educacional!

Há algo muito grave no que eu escrevi no parágrafo anterior. A escola é o lugar em que nossos filhos mais passam o tempo deles. Eles passam mais tempo na escola e nas universidades do que em casa ou nas igrejas. Assim, o poder de influência desses professores é enorme e os pais não podiam jamais ser negligentes, como muitos são. É uma pedagogia da mentira que a Escola ensine aos nossos filhos citarem autores que ela mesma nunca trabalhou em sala de aula e que eles nunca leram e nem lerão! Vou repetir: é uma pedagogia da mentira! Estão formando nossos filhos para mentirem, para que eles digam que conhecem o que esses autores estão dizendo, quando, na verdade, não sabem bulhufas! Estão citando frases soltas fora dos contextos dos livros de onde elas foram retiradas.

Quando eu leio frases como “Wittgenstein disse” ou “Aristóteles afirmava em sua obra “A Poética””, “Segundo Max Weber”, penso que, ao serem citadas, elas respeitam o corpus do pensamento dos seus autores originais. A questão é como confiar em meninos e meninas de 16 e 17 anos, que nunca leram um livro de Emile Durkheim, por exemplo, e saem citando com pomposa arrogância de quem domina aquelas obras? A pedagogia da mentira corrompe o caráter, danifica a moral e destrói a ética. Não é de se surpreender que estejamos tão perdidos em distinguir o que é certo e errado, o que é o bem e o mal, o que é verdade e o que é mentira. São anos e anos de uma escola ensinando nossos filhos a mentirem, a usarem o discurso, a retórica, a construção de uma estética falaciosa e a plagiarem a ideia dos outros que, evidentemente, isso devora a alma. E isso tudo para quê? Para que nossos filhos, a partir de mentiras bem construídas, possam conquistar uma vaga numa faculdade. O que as escolas estão ensinado? Que os fins justificam os meios. Que, se não ferir ninguém, que mal é que tem? Depois de anos e anos aprendendo a mentir para conquistar seus objetivos, que tipo de cidadão nós teremos? São pastores que apelam ao “dom de línguas” e ao grito, são profetizas que apelam ao “assim me disse deus”, são crentes pinçando frases bíblicas fora de seus contextos para apoiarem suas heresias e abusos espirituais contra as pessoas e muitos outros crimes de corrupção que vemos no nosso dia a dia. Temos visto profissionais adulterando o currículo vitae e lattes para dar um up na maquiagem, querendo ganhar capital político e econômico a partir de um capital cultural que nunca possuíram (Pierre Bourdieu). Esses profissionais foram construídos durante anos por uma escola doutrinadora! Sinceramente, você ainda não percebeu isso? Pronto, terminei minha digressão.

Como o próprio Apóstolo Pedro adverte, a Bíblia tem sim textos difíceis de entender (II Pe 3). Só essa advertência já deveria ser suficiente para animar todos os cristãos a frequentarem as Escolas Bíblicas Dominicais de suas Igrejas, mas, tristemente, não é isso o que ocorre. É preciso estudar a Palavra de Deus para que, como nos adverte o Espírito Santo por meio do Apóstolo Pedro, não caiamos nas armadilhas das pessoas ignorantes e instáveis que não querem aprender da Palavra de Deus!

Estude a sua Bíblia! Procure um grupo de pessoas comprometidas com o ensino sério da Palavra de Deus, para que você não caia nas mãos dos lobos que planejam dominar a sua vida. O mercenário não quer que você aprenda. Ele quer apenas que você obedeça cegamente, pois ele quer roubar, matar e destruir você e, para isso, ele precisa que você não conheça a Bíblia, nem estude a Palavra de Deus e, muito menos, viva sob o poder do Espírito Santo.

Assim como o piloto precisa aprender a ler um painel de controle de avião, a Bíblia também possui regras de interpretação para que seja lida corretamente. Do contrário, no caso do avião, ele sequer levantaria do chão. No caso da sua vida espiritual, também!

                                            Fábio Ribas

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