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sábado, 28 de outubro de 2023

A culpa é do cérebro? (VIII/2023)

 

 
    É tudo culpa da química cerebral? É tudo uma questão de descobrirmos a pílula ou a alteração química correta e todos os nossos problemas de comportamento estarão resolvidos? Quem está no comando?

    A Bíblia é o crivo pelo qual avaliamos as ciências cerebrais? Ou a Bíblia é relevante apenas para "questões de alma" e a ciência para as questões da química cerebral? Dividimos a relação corpo e mente a este ponto, semelhantemente ao erro de dividirmos a vida num compartimento secular e noutro sagrado?

    Quantas perguntas precisam ser respondidas com seriedade, carinho e amor, mas, antes de tudo, quaisquer perguntas precisam encontrar suas respostas na Bíblia. Ou não? Há áreas que a Bíblia não cobriria? Mas não pregamos aos quatro cantos do mundo que a Bíblia é a nossa única regra de fé e prática? Fé em Deus, na Sua salvação e no Seu cuidado sobre todas as áreas da nossa vida? Tanto a área do nosso coração como a área do nosso corpo físico? E se a Bíblia é a nossa única regra de fé e prática, não estamos afirmando que ela é que orienta todos os nossos comportamentos, nossa prática de vida diária? Afinal, a Bíblia é para assuntos "espirituais" e o psicólogo para assuntos da "mente", da "psiquê", da "alma"? Quanto mais aprofundamos mais vemos a confusão em que a Igreja se meteu, quando delegou "parte" do ser humano à "ciência", ficando apenas com "batismo, casamento e velório"!
    
    Há uma teoria que prega que somos tricotômicos   - alma, espírito e corpo  -  e isso apenas piora ainda mais o enredo, pois fatiamos o ser humano e departamentalizamos essas partes para o médico, para o psicólogo e para o pastor, cada qual receitando seus remédios para a parte que seria de sua responsabilidade. Entretanto, nada disso é bíblico! A antropologia bíblica fala de um ser humano de duas partes  -  material e imaterial. A confusão "alma e espírito" (existências além do corpo) fica por conta de uma exegese rasa, que não leva em conta que há muitos sinônimos tratando de uma mesma realidade nas Sagradas Escrituras: coração, espírito, alma etc. O ser humano possui um corpo material, que é a expressão física de seu coração! Se o coração adoece, o corpo adoece. Se o corpo padece, evidentemente que o coração recebe as influências desse corpo aberto ao mundo que o cerca. Não podemos complicar o que a Bíblia ensina como algo simples nessa relação. Para mim, contudo, o maior problema é negligenciarmos que as demais ciências, embora sejam muito boas para descrever a situação que aflige o homem, tratam essa situação superficialmente, pois ciência alguma apresentará o remédio correto para o coração do homem, uma vez que ela está assentada em humanismos e antropocêntrismos, que descartaram a interpretação de Deus sobre a nossa história humana. As ciências possuem uma epistemologia que abstrai Deus da realidade do ser humano não levando em consideração os dados bíblicos da Queda e da natureza totalmente depravada do homem.

    Infelizmente, nessa relação Bíblia e psicologia (ou psiquiatria etc), vemos uma falta de diálogo compreensivo, que nos deixa surpreendidos. Há muito espantalho apanhando, enquanto o que realmente está à mesa para discussão fica de lado. Para contribuir na discussão, colocarei abaixo minha resposta dada a alguém que me fez as seguintes perguntas: "Você crê mesmo que, mesmo Deus dando inteligência para termos técnicas na psicologia e ações terapêuticas na psiquiatria, o crente não pode usar (a ciência), como dizem os defensores desse Aconselhamento? Não podemos ser integracionistas?". A pessoa que me fez essas indagações ainda completou dizendo-me: "Disseminar fundamentalismo é complicado". Ao que eu respondi:
    
    "Eu creio no poder da Palavra de Deus. Psicologia e afins são assentados em filosofias humanistas, que, por isso mesmo, são muito bons para descrever o mal, mas não para transformar, nem regenerar e, muito menos, santificar os corações. Só a Palavra vai verdadeiramente à situação do coração do homem. Antropologia bíblica é tudo! Se não se sabe a extensão da total depravação do homem e nem o poder regenerador e santificador da cruz, então, no máximo, vc vai criar dependentes eternos de consultórios humanistas e de uma indústria farmacêutica que é a maior lucradora com tudo isso. Integracionismo é acreditar que o ser humano carnal entende das coisas espirituais, quando a Bíblia é clara em dizer que só os espirituais podem julgar todas as coisas (I Cor 2.12–16). Não há critérios bíblicos para o integracionismo, por isso mesmo, nós, Reformados, é que temos que ir ao mundo e julgá-lo. Do contrário, integracionismo vira sincretismo. E aí, já viu, não é? Na verdade, portanto, além de uma questão de antropologia bíblica, há também um problema de epistemologia. A epistemologia reformada precisa mostrar ao mundo a interpretação de Deus sobre todas as coisas. E não o contrário. E por aí vai".

    Por todo esse antigo paradigma e também a insistência em se discutir espantalhos, tanto de um lado quanto de outro, é que a leitura de um livro como este é maravilhoso! Além de deixar essas discussões mais precisas, Edward T. Welch também ampliou essa percepção do que poderia estar relacionado ao corpo e à mente. Apesar de sermos corpo e mente e existirem questões claras que competem a um e ao outro, esse dualismo não pode ser visto sob uma ótica pagã. 

    A proposta cristã é o que ele chama de dualismo mínimo. É certo que não podemos chamar de pecado o que são apenas fraquezas de um corpo que nos limita naturalmente. A fraqueza de nossa memória é parte de uma realidade cognitiva do corpo, mas não um aspecto moral do coração! Compreender isso é importantíssimo!
    
    Quatro princípios compartilhados por Welch e que regem a relação mente-corpo: 1º) o cérebro não pode fazer uma pessoa pecar ou manter uma pessoa seguindo a Jesus em fé e obediência; 2º) toda capacidade de uma pessoa  -  forças e fraquezas cerebrais  -  são a única coisa que é digna de cuidadoso estudo; 3º) problemas cerebrais podem expor problemas do coração; 4º) corações pecaminosos podem levar à doença física, e corações justos podem levar à saúde.

    Há o capítulo específico sobre a doença de Alzheimer e demências. Aqui, o autor fala sobre o risco desse excesso de medicação passada aos idosos e o perigo do falso diagnóstico de Alzheimer, exatamente, pelo excesso de medicação. E sobre os estágios que vemos as pessoas enfrentando na luta contra o Alzheimer.
    
    No capítulo sobre traumatismo craniano, após sua leitura, eu orei para que as famílias que enfrentam estas crises dentro de suas casas possam se sentir fortalecidas e também ajudadas por livros como esse de Welch. São realidades difíceis, em que nós também precisamos nos doar para ajudar essas famílias.

    Há também um capítulo só sobre depressão. Muito bom. Acredito que quanto mais lermos sobre isso, mais teremos condição de ajudar as pessoas que sofrem dessa dor.

    Não há dúvida que há uma hiperdiagnosticação de TDA hoje em dia. E é isso o que nos fala o capítulo sobre esse tema. Como consequência dessa hiperdiagnosticação, há uma hipermedicalização de crianças e adultos, a ponto de muitos médicos estarem voltando atrás nessa onda. O importante é discernir entre os problemas físicos e os espirituais. Crianças precisam ser pastoreadas e não só adultos. Capitulo ótimo!
    
    Homossexualidade! Wow! Que capítulo delicado e honesto. E concordo com tudo o que o autor disse. Capítulo instigante! Quero deixar ainda, a citação abaixo e dizer que, na área de Aconselhamento bíblico, há livros imperdíveis e este de Welch é, indubitavelmente, um deles. Um livro para ajudar quem quer ajudar o outro.
    
    A Bíblia nos empurra com força para enfrentarmos as motivações que direcionam ao Deus que governa todas as coisas. Welch argumenta que vícios revelam o que ou a quem nós adoramos.
    
    Iremos adorar nossos ídolos ou iremos adorar a Deus? Desta perspectiva, uma garrafa de álcool é um dos muitos ídolos a quem servimos. Ela [a adicção ou vício] compete por nossa devoção junto com dinheiro, prazer, fama, sexo, a opinião dos outros, e outros ídolos populares do nosso tempo.
    
    Quando vemos as realidades espirituais por detrás de nossos comportamentos adictivos, encontramos o que servimos e o que amamos. Amaremos e serviremos a Deus, ou amaremos e serviremos a nossos ídolos. Ídolos existem em nossas vidas, porque os amamos e os convidamos. Mas, uma vez que os ídolos encontram um lar, eles são ingovernáveis e resistentes a saírem. Na verdade, eles mudam de servos de nossos desejos para serem nossos senhores. Isto ocorre porque a Bíblia diz que primeiro escolhemos as substâncias da adicção, para, então, a substância da adicção nos escolher.

    "Nós podemos tanto ter a bênção de servir ao mais elevado Deus que nos ama, ou teremos a maldição de sermos escravos de nossos desejos e os ídolos que os simbolizam. Isto se deve à abordagem bíblica da adicção ter que dizer mais do que simplesmente "pare com isso". Ela percebe que os adictos estão tanto no controle como fora de controle. Este aspecto dual da experiência de adicção   - a rebelião e a escravidão  -  é o que comumente chamamos de pecado, e esta é a mais profunda explicação sobre adicção superando qualquer metáfora de doença" - Edward T. Welch.

Fábio Ribas

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