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quinta-feira, 26 de outubro de 2023

O Deus da Festa e a Festa de Deus

 

    A partir da parábola da grande festa (Lc 14: 16–24), Jesus alerta que, embora o convite da salvação seja para todos, não serão todos os que participarão da festa ali narrada. A parábola nos fala de um homem que prepara uma grande festa, mas a festa é menosprezada pelos convidados oficiais. Então, são chamados os desprezados pela religião daquela época, aqueles que não poderiam dar nada em troca ao dono da festa, caso fossem convidados. A parábola apresenta também um último grupo que se vê obrigado a participar da festa, porque ainda haveria espaço naquela casa. Enfim, com essa parábola, Jesus anuncia aos judeus a plenitude dos gentios — o milênio da pregação da Igreja — ou seja, a preparação para a Festa das festas.

    O povo judeu percebeu, desde cedo, que seu Deus era um Deus de festa. O judeu celebrava, embora não houvesse nenhuma base bíblica para isso, o 1º dia do ano deles como uma data separada para comemorar o que seria o dia em que Deus criara os céus e a terra. Há, portanto, quem entenda que João, no primeiro capítulo de seu evangelho, tenha exatamente exposto Jesus no contexto dessa festa da criação, para a qual o judeu dera o nome de “Festa da Lua Nova”. De qualquer modo, a criação de Deus é uma festa, uma sublime orquestração sinfônica de graça e beleza. Festa ornamentada ainda pela celebração do 1º casamento e que atinge sua sublimidade quando Deus convida o homem e a mulher para celebrarem com Ele no sétimo dia. Entretanto, desobedientes, fomos expulsos daquela festa bonita. Como pecadores, perdemos o direito de comer do fruto da árvore da vida.

    O desenrolar da história mostra como sentimos falta daquela festa original, mas, por outro lado, como estamos totalmente incapazes de celebrar Deus novamente. Vemos, a partir da expulsão da festa bonita de Deus, que tentamos reparar o estrago que fizemos realizando nossas próprias festas. Por isso, o que encontramos na história de Caim, nas gerações perversas do tempo de Noé (e na embriaguez deste também) e na torre de Babel são simulacros, distorções, corrupções daquela festa bonita de Deus. Todavia, o Dono da festa já decretara preparar, separar e ensinar um povo sobre essa festa bonita da qual, inevitavelmente, sentimos saudades. Aqui, as narrativas de Sodoma e Gomorra, as festividades cultuais dos povos que cercavam as famílias dos patriarcas hebreus e também as festas coloridas e sobejadas dos egípcios são outros exemplos da depravação das festas empreendidas pelos seres humanos. Mas, então, que festa afinal é essa Festa de Deus?

    Moisés foi a faraó e disse que o Dono daquele povo os estava chamando para festejar no deserto (Êx 5:1 e 10:9)! As festas na história de Israel deveriam ser sinais de uma Festa maior e não um simples retorno àquela festa do Éden. Deus deu festas ao seu povo: a festa da Páscoa e dos pães asmos; a festa do Pentecostes; a festa dos Tabernáculos. E por todo período anterior ao nascimento de Jesus, outras festas foram instauradas pelo povo: o Dia da Purificação e a Festa da Dedicação são exemplos. Todavia, o povo de Israel falha em aceitar o exclusivismo dessas celebrações: a festa é de Deus e deve ser para Deus somente! Não podemos realizá-las como queremos, segundo nossas imaginações e, muito menos, realizar festas para Deus e para Baal também! Aqui, Elias surge como o profeta que restaura a festa ao verdadeiro Deus, no entanto, o povo logo se esquece do fogo que testemunhou descer do céu. Por isso os cativeiros da Assíria e da Babilônia: “façam, então, festas aos deuses deles”, sentencia Deus, o Dono da Festa.

    Mas, afinal, que Festa é essa festa exclusivista de Deus? Na narrativa do Evangelho segundo João, este ressalta que as festas do AT eram festas que discorriam sobre as características do Único que poderá nos levar de volta à festa bonita de Deus. Desse modo, eis Jesus conforme nos apresenta João a cada capítulo do Evangelho: Jesus é o autor e a razão da festa da criação; numa festa de casamento, eis que velhas coisas se tornam novas por causa de Jesus; na festa da Páscoa, Jesus fala sobre o novo nascimento; às vésperas da festa de Pentecostes (as primeiras colheitas), Jesus é chamado de Salvador do mundo; na festa dos Tabernáculos, Jesus cura e perdoa os nossos pecados; nova festa da Páscoa e Jesus é o Pão do céu; nova festa dos Tabernáculos e Jesus é, mais uma vez, o protetor do povo: a fonte da água, a água do ES; a festa do sábado — Jesus é o nosso sábado; na festa da Dedicação (quando os judeus comemoravam a retomada do templo que fora dominado por Antíoco Epifânio), Jesus é o Templo novo; e o grande desfecho dessa apresentação do evangelista tem como cenário, mais uma vez, a festa da Páscoa, na qual Jesus é a própria Ressurreição. Assim, conforme João, eis que Jesus é a nossa Festa! As festas do AT eram sombra e não necessitavam mais ser celebradas, pois o perfeito veio e o perfeito é Jesus (Col 2:19). Jesus é o Dono da Festa, a Festa é para Jesus, Jesus nos convida para a sua Festa — este é o evangelho da Salvação! Pois, agora, em Cristo Jesus, há uma Festa maior e muito mais bonita.
    
    Mas qual, exatamente, é essa Festa ainda mais bonita, a Festa diante da qual todas as outras eram apenas sombras? A Festa das bodas do Cordeiro: o casamento do Filho de Deus com sua noiva! Aleluias! Uma festa muito mais bonita do que a do casamento de Adão e Eva e muito mais superior do que a festa das bodas de Caná. A Festa que já havia até mesmo sido anunciada pelos profetas do AT. Jesus vai se casar com a sua noiva e, neste exato momento, precisamos anunciar a todos os povos que a noiva de Jesus é a Igreja pela qual ele morreu na Cruz do Calvário!

    Por fim, o tema da festa se apresenta triunfante: “Fiquemos alegres e felizes! Louvemos a sua glória! Porque chegou a hora da festa de casamento do Cordeiro, e a noiva já se preparou para recebê-lo. A ela foi dado linho finíssimo, linho brilhante e puro para se vestir. O linho são as boas ações do povo de Deus. Então o anjo me disse: — Escreva isto: “Felizes os que foram convidados para a festa de casamento do Cordeiro!” E o anjo disse ainda: — São essas as verdadeiras palavras de Deus” (Ap 19: 7–9).

    Comecei este texto com uma mensagem tirada de uma parábola contada pelo próprio Jesus: o convite da salvação é para todos, mas não são todos que participarão da Festa bonita do casamento do Cordeiro Jesus. “Felizes as pessoas que lavam as suas roupas (no sangue do Cordeiro), pois assim terão o direito de comer a fruta da árvore da vida e de entrar na cidade pelos seus portões! Mas fora da cidade estão os que cometem pecados nojentos, os feiticeiros, os imorais e os assassinos, os que adoram ídolos e os que gostam de mentir por palavras e ações” (Ap 22:14 e 15).

    Muitos cristãos que trabalham num contexto indígena de culturas bem específicas e singulares, em que as festas são um elemento importantíssimo, já sabem que muitas das festas indígenas na verdade são luas que escondem uma triste e fria face oculta. Sabem que, do outro lado dessa alegria em festejar, em dançar e se congregar com seus parentes e se pintar, há relações cruéis de apaziguamento de espíritos que precisam ser aplacados de suas investidas opressoras para que possa haver uma boa economia diária na vida da comunidade. Creio, então, que a Bíblia nos afirma que há uma Festa verdadeiramente bonita e feliz oferecida pelo próprio Deus aos povos indígenas também. O receio de muitos indígenas (influenciados pelos inimigos do Evangelho) é que os missionários venham a proibir as alegrias de suas expressões culturais. Ao contrário, e este é o foco deste meu texto, precisamos anunciar a eles a alegria e o regozijo da reconciliação com Deus na celebração da Festa bonita de Deus! Portanto, ouçamos: eis o convite sendo feito pelo próprio Noivo, o Dono dessa Festa. E que essa bela noiva indígena, lindamente ornamentada, possa também estar preparada para responder ao seu Noivo: “Venha! Venha! Venha! Eu também quero festejar”!

 Fábio Ribas

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