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sábado, 14 de outubro de 2023

Conversa cruzada (VI/2023)

 


    Tenho lido muitos livros sobre o tema do “Aconselhamento Bíblico”. Tenho lido livros muito bons, contudo, “Conversa cruzada”, de Michael Emlet, foi o melhor até agora. E há razões subjetivas e objetivas para afirmar isso. O que posso dizer é que esse livro é muito prático e oferece uma abordagem, tanto à Bíblia como ao aconselhado, que já foi possível utilizar ainda durante sua leitura, cumprindo seu subtítulo: “onde a vida e a Escritura se encontram”.

    Como aconselhar por meio das Escrituras? No fim da introdução, já há algumas perguntas para discussão. A cada capítulo, no seu término, há um breve questionário para autoavaliação e sondagem sobre o assunto que terminamos de ler. Um ponto interessante é que o autor diz que há muitos livros sobre “como ler a Bíblia”, mas falta sobre “como aplicar a Bíblia às nossas vidas”. Verdade. E o livro de Emlet traz inúmeras oportunidades de vermos essa aplicação ocorrer nos diversos exemplos trazidos. O objetivo do autor já é tratado de maneira clara: o foco do seu interesse é com a microética, isto é, como cruzar as Escrituras com as situações particulares da vida da pessoa.

    O primeiro capítulo funcionou para me deixar mais tranquilo, pois mostrou que a ligação de textos bíblicos com situações da vida contemporânea não é tão simples. Isto foi muito bom, uma vez que, desde que me aproximei do “Aconselhamento bíblico”, eu me sinto um ignorante em usar a Bíblia nessas “conversas cruzadas”. Agora sei que não estou sozinho nessa ignorância. A questão do Aconselhamento não é simplesmente saber uma série de versos decorados para desembainhar toda vez que nos deparamos com demandas da vida. É preciso atenção e paciência para “ler” a vida do outro, assim como atenção e paciência são necessárias para ler a Bíblia com responsabilidade. Não podemos sucumbir ao simplismo de usarmos as Escrituras como textos fora de contextos, numa espécie de “caixinha de aconselhamentos” (uma versão para a já danosa “caixinha de promessas”). Daí, o autor demonstrar o “fenômeno vala versus o fenômeno desfiladeiro”, para que possamos compreender que umas conexões são mais óbvias e tranquilas do que outras, quando nos dispomos a apresentar a Bíblia aos nossos aconselhados. Algumas passagens e narrativas bíblicas respondem de imediato a algumas questões, mas há muitas outras passagens que exigirão de nós esforço, um verdadeiro trabalho de exegeta e tradutor da Palavra de Deus. Portanto, inesperadamente, deparei-me com um livro que é um livro de “hermenêutica aplicada”. Emlet se preocupa em mostrar que a Bíblia está culturalmente distante de nós por mais de 1000 anos! Então, como ter certeza de que a estamos compreendendo corretamente e aplicando-a à vida do aconselhado, respeitando a intenção original do autor do texto?

    Particularmente, como missionário transcultural e alguém que já trabalhou com tradução do texto bíblico e com cosmovisões contrárias à da Palavra, ver um autor que não tem medo de trazer à mesa da discussão a palavra “intuição” foi muito importante para mim: “Procure aprofundar suas intuições conduzidas pelo Espírito…” (p.40). Neste ponto, lembrei de Naugle (“Cosmovisão — a história de um conceito”), que também enfrenta o pré-teórico. Aliás, é exatamente por isso que me vejo na área do Aconselhamento, que trata com o ser humano como um todo e não como um ser multifatiado.

    No segundo capítulo, “O que a Bíblia não é (primariamente)”, o autor ressalta que, embora nos aproximemos da Bíblia tendo nossos pressupostos, precisamos saber até que ponto esses pressupostos nos cegam impedindo-nos de lê-la corretamente. Os pressupostos precisam ser criticados à luz da Palavra. Se queremos ajudar o nosso próximo com a Palavra, precisamos saber que a Bíblia não se resume ou não se fecha num livro de “faça isso/não faça aquilo”; nem se resume a textos-prova para sustentar minhas doutrinas e nem é um livro de coleção biográfica de personagens para modelo de vida para mim. Eu e você precisamos ter claro o que a Bíblia não é. Então, mais uma vez, é confirmado que o cerne do livro se desenvolverá em duas direções: precisamos contextualizar o aconselhado, assim como devemos contextualizar o texto bíblico. Na direção da mensagem bíblica, ao compreendermos, estudarmos e interpretarmos a Bíblia, estamos certos de que a estamos usando “de uma maneira que maximiza a sua mensagem Cristocêntrica?”.

    O livro me desafia como missionário há tantos anos no campo trabalhando no ensino bíblico e como professor de Comunicação para a formação de outros missionários! Tenho vivido um momento ímpar no meu ministério, porque me sinto confirmado em tantas áreas que eu não entendia a razão de não me encaixar, mas que o Aconselhamento me trouxe uma autocompreensão! Uma frase como esta: “Se a comunicação tem sentido, é porque as nossas palavras são ditas em meio a contextos e concepções partilhadas entre o que fala e o que ouve” (p. 49) — é o centro de tudo o que tenho trabalhado há muitos anos. O que estou tentando dizer a mim mesmo é que o Aconselhamento é uma peça que deu paz às próprias crises que sempre vivi de “desencaixe” no campo missionário.

    E “o que a Bíblia é?” O AT é a expectativa da vinda do Reino e seu Messias. O NT é a proclamação de que esse Reino já veio e tem Rei. Ambas as histórias se inserem numa narrativa maior. A Bíblia é o enredo da história gloriosa de Deus sobre nossas pequenas histórias! E a chave para se entender tudo isso é Jesus: o fim do princípio e o princípio do fim! Tomamos a Bíblia no seu contexto de relato, na sua estrutura narrativa! Veja! Nossa luta como missionários trabalhando com povos indígenas sempre foi não apresentar a Bíblia recortada, picotada, mas, ao contrário, apresentar a Bíblia como “one story”. Aqui, então, mais uma vez, surpreendo-me por estar lendo um livro que julgava muito específico, mas que vai ao encontro de tudo o que sempre foi “transculturalmente” importantíssimo a mim. O autor nos ajuda, porque sabemos que podemos tomar essa história única de diversas perspectivas diferentes (Aliança, por exemplo, é uma delas e talvez a mais importante), mas o autor toma a Bíblia perpassada pelo tema do Reino. Há uma identidade aqui e isso nos ajuda a como abordá-la e aplicá-la à vida humana. “Essa identidade está unida a uma missão: proclamar o reino do nosso Rei e ajudar na restauração de vidas, em conformidade com o seu amor e governo de verdade” (p. 72). Emlet insiste nessa organização narrativa e temática — tendo a Cristo no centro de tudo — mostrando que isso funcionará como bússola para não nos perdermos e nem esquecermos da nossa própria identidade e propósito como cidadãos do reino sempre diante de nós. Ainda no capítulo sobre este tema, que ressalta a centralidade de Jesus, entendermos como se deu a forma de relato bíblico a nós será essencial para a própria abordagem de nossa interpretação do texto. Por exemplo, “o sofrimento precede a glória” (p.75), “a morte precede a ressurreição. A graça para o seu povo veio ao preço da sua vida” (p.75). Daí, Emlet evidencia-nos: “Esse caminho para a cruz continua sendo o modelo para a nossa vida, até que Jesus retorne e ponha um fim ao pecado e ao sofrimento (…) Nós seguimos nas pegadas abnegadas do nosso Salvador” (p. 75). O que isso tudo significa para o Aconselhamento? Tendo a narrativa correta, na sua apresentação bíblica correta, poderemos nos orientar corretamente toda vez que “somos tentados a achar que a vida em Cristo diz respeito à nossa realização pessoal e felicidade” (p. 75). Sendo assim, mais adiante, o autor diz que devemos entender a Bíblia não apenas como uma história, mas como uma história que exige de nós uma resposta (p.80).

    Por tudo o que foi visto até agora, a pergunta mais trabalhada e que, por isso mesmo, mostra-se como fundamental para o trabalho de aconselhamento é: “Sabemos ler a Bíblia?”. Se a lermos sem o mínimo de regras de compreensão e interpretação, acabaremos usando-a para fins distorcidos ou fora de sua intenção maior. Mas qual a intenção maior da Bíblia? A Bíblia apresenta a missão redentora de Deus por meio de Jesus Cristo ao seu Povo. E essa missão terá vitória no final — isto está na Bíblia! Por isso, devemos ler a Bíblia “de trás para frente”, sabendo que o seu desfecho lança luz e reordena todos os livros anteriores. E quando a lermos “do início para o final”, precisamos ler sabendo que o que se anunciava já está realizado. Embora isso seja muito claro, infelizmente, no meio missionário tem muita gente lendo “da frente para trás”, insistindo em ler textos do AT como se esses estivessem desencaixados de uma narrativa maior.

    Lemos o AT sabendo que a vitória do Reino já está garantida! Há quem lê os mandatos criacionais, por exemplo, sem essa perspectiva e conexão. Qual a consequência? Parece que algo saiu dos trilhos e a igreja é quem vai colocar tudo no lugar. E isso não é verdade! A igreja não foi chamada para cumprir os mandatos criacionais como se nunca houvera pecado ou cruz e ressurreição. Assim, a imposição religiosa da igreja sobre outros por meio da lei é um entrave e um fracasso sem a cruz e a ressurreição. Não é a igreja que está sendo chamada a ajeitar o estrago do pecado por meio de uma nova legislação e mera imitação de Cristo, mas Cristo já fez tudo e convida a igreja a anunciar a chegada desse reino. A leitura no sentido correto muda tudo! A perspectiva é clara: antes de ser a minha história, a Bíblia é a história de Deus e a história do Povo de Deus (p.95).

    O melhor capítulo foi, sem dúvida, na sequência desses, o quinto capítulo! Se é que se pode dizer isso num livro todo muito bom. Entretanto, algumas coisas muito importantes estão sendo ditas ali. Não apenas sobre o enredo que escolhemos para que a vida da gente ganhe sentido, mas, principalmente, aquele olhar que devemos ter uns sobre os outros de que somos santos, sofredores e pecadores. Se queremos ajudar as pessoas, precisamos equilibrar esses 3 pontos. O que Emlet disse sobre nos conectar com a dor do outro foi tudo o que eu precisava ouvir para me entender ainda mais nesse mar de gente desconectada. A pessoa chega quebrada diante de nós e, então, precisamos desenvolver a habilidade de juntar as peças e ver a narrativa da vida dela — um início, meio e fim! Aqui há um roteiro que, para mim, é muitíssimo importante para me guiar no tratamento com o aconselhado:

    Uma das habilidades que os médicos devem ter envolve “tirar a história” do paciente. Isso compreende entrevistar o paciente de maneira intensiva e extensiva levando em consideração várias coisas: (1) os sintomas que o trouxeram ao médico ou hospital (“histórico da doença atual”); (2) seu histórico médico passado; (3) sua história familiar; (4) sua história social, incluindo o uso de tabaco, álcool ou drogas; (5) os remédios que ele está tomando; e (6) a “revisão de sistemas”, uma longa lista de perguntas acerca dos outros sistemas do corpo além do(s) sistema(s) envolvido(s) na história da doença atual. Essa entrevista estruturada é seguida de um exame físico e talvez de vários exames diagnósticos (p. 101–102).

    Esse roteiro acima, que Emlet oferece, é sensacional! Dá uma segurança enorme. Aliás, devo dizer aqui que já o estou usando. Tive oportunidade de aconselhar algumas pessoas usando várias coisas deste livro. Por isso, vejo-o como o melhor que li até agora na área de Aconselhamento. Li e estou lendo muitos livros, mas este é muito prático, desde a leitura bíblica até a leitura do seu aconselhado. Outra questão que vem ao encontro do que já trabalho na antropologia missionária é o entendimento que “dar ouvidos ao modo como as pessoas compreendem os detalhes da própria vida dá uma ideia da história (ou histórias), global que guia a sua existência diária” (p.103). Ouvirmos o outro com atenção é nos atentarmos à sua cosmovisão: “todos são criadores de sentido com categorias que deem um significado à vida” (p. 104). Esta frase, que acabei de citar do Emlet, foi muito importante para mim. Dou aula para a formação missionária e, de repente, num livro de aconselhamento, estou vendo todas as verdades que creio à disposição como nunca as vi em livros de missiologia antes! Acertar a vida das pessoas, que estão enfrentando dilemas e problemas, ao enredo redentor da Palavra de Deus é fantástico! Esta é a proposta do livro!

    Agora, além das perguntas para conhecermos as pessoas nos 3 aspectos do capítulo anterior (santas, sofredoras e pecadoras), precisamos também conhecer profundamente a Palavra de Deus e, então, há as perguntas que nos ajudam a ler melhor a Palavra de Deus. Precisamos realmente conhecer o aconselhado e a Palavra, para que possamos conectá-los. O tema da identidade transborda aqui e separa aqueles que são obedientes dos que são resmungões: “somos definidos pelo nosso relacionamento com Ele (p. 115). Veja agora que genial é o que Emlet faz: ele vinha trabalhando sobre compreender o esqueleto narrativo bíblico, sobre entendermos a narrativa totalizante da Palavra de Deus, e, assim, ele faz a mesma coisa sobre a importância de olharmos a vida do aconselhado não como um mar de fragmentos, mas buscando o que une: “Se não levarmos em consideração as histórias que moldam a vida das pessoas, ofereceremos aconselhamento focado em soluções, sem que talvez consigamos ver as raízes do problema” (p.120). Outro ponto sensacional: “Eu os apanho fazendo algo errado, mas será que os apanho fazendo algo certo?” (p.120). Olha que maravilhoso isso! Os fariseus só focavam nos erros, fracassos e na culpa dos pecadores, mas o convite aqui é, antes de tudo, não pisar na chama que ainda fumega: “reconheço onde vejo o Espírito em ação na vida deles?”. Se as pessoas estão procurando ajuda é porque estão sofrendo e precisam de esperança, lembra-nos Emlet.

    Até aqui, vimos o autor nos mostrar como devemos aprender a ler a vida das pessoas e ler a Bíblia. Agora, ele conectará essas duas realidades. No sexto capítulo, Emlet vai elencar algumas diretrizes gerais para isto, a saber: 1) todas as passagens bíblicas nos fornecem a lente correta para tratarmos quaisquer questões, contudo, obviamente, umas passagens são mais claramente melhores do que outras; 2) na ministração aos outros, nos movemos da vida para a passagem bíblica e da passagem bíblica para a vida; 3) nas situações ministeriais, algumas passagens são usadas com mais facilidade do que outras; 4) prestar atenção às conexões que surgem da passagem como um todo, não tanto às expressões isoladas; 5) lembre-se de que todas as passagens estão de alguma maneira ligadas a Jesus Cristo e à sua obra redentora. Observando essas diretrizes, vemos que elas são a consequência natural do que vimos nos primeiros cinco capítulos. São diretrizes de aplicação de toda a teoria que discutimos até agora.

    O diagrama de abordagem é um diagrama visual do que mais repetimos aqui: a hermenêutica da bíblia e a hermenêutica da pessoa. Na passagem, temos o contexto original e o contexto aplicado, enquanto no aconselhado temos sua pessoa sofredora, santa e pecadora. Em outras palavras, estou diante de duas linhas narrativas. Mas como sabemos que houve a “conexão” entre essas duas narrativas? “A aplicação se dá quando as pessoas “habitam” a visão de mundo da passagem de tal modo que obtêm clareza , centrada no evangelho, e direção para a própria situação — e as põe em prática” (p. 135). Mas qual o objetivo de conectar a vida com a Escritura? “O objetivo de conectar a Escritura com a vida é nada menos do que ter vidas modificadas, uma comunidade modificada e um mundo modificado, na medida em que as pessoas ouvem o Deus que fala verdade e amor. Isto é Conversa Cruzada” (p. 135–136).

    No sétimo capítulo, o autor anuncia que fornecerá algumas perguntas que podemos usar tanto sobre o texto bíblico como sobre a pessoa que ajudamos, com vistas a estimular essas conexões redentoras. Para ajudar, ele apresenta três metáforas: musical, atlética e culinária. Na primeira, ele pensa na Escritura como um acordeom, que num momento o comprimimos ao máximo e noutros o abrimos ao máximo, a música nasce dessa expansão e contração. Precisamos aproveitar as oportunidades no tempo que temos. Às vezes, temos só 5 minutos, às vezes serão vários encontros. Na metáfora do atleta, precisamos entender que o resultado num jogo de campeonato dependeu do trabalho duro que não vemos no treino entre um jogo e outro. Na metáfora culinária, parecida com a música, precisamos aprender a degustar o que podemos, às vezes um sanduiche, às vezes um banquete. Assim, o que precisamos é estar prontos para toda e qualquer situação de ministração, por isso as perguntas nos ajudam a tirar o melhor proveito possível. O autor, então, separa perguntas para tratarmos com pessoas santas (ver o que Deus está fazendo nelas), sofredoras (ter uma ideia das circunstâncias em que essas pessoas se encontram) e pecadoras (ver o que essas pessoas têm como histórias, valores e crenças).Em suma, usamos a Bíblia para 1) confirmar a identidade do santo; 2) consolar o sofredor e 3) confrontar o pecador. Quanto ao contexto bíblico, precisamos compreender o texto original; como que esse texto se insere na história da redenção; e, finalmente, como aplicar o texto à vida do aconselhado. Veja: é um caminho hermenêutico. Neste ponto, não sei se ficou claro em algum momento até aqui, mas a ação é do Espírito Santo. São perguntas, sondagens, tanto da pessoa como da Bíblia, mas a cura, a transformação, a mudança só pode vir do Espírito Santo. O conselheiro precisa estar convencido disto. No fim deste capítulo, ele trará a pergunta que mais ouvimos as pessoas nos fazerem: “podemos aconselhar incrédulos?”.

    É verdade que a categoria de “santos” não se aplica aos não cristãos. Nesse caso, é melhor pensar nos termos de uma categoria mais ampla: “portadores da imagem”. Essa pessoa, apesar de caída, é portadora da imagem de Deus mesmo assim. Isso quer dizer que me aproximo dela com dignidade e compaixão. Eu posso ressaltar as marcas da “graça comum” de Deus na vida dela, mesmo instando-a a submeter a sua vida inteira ao Único, Criador e Redentor. Eu uso uma lente moldada por Deus para enquadrar o bem na sua vida como evidência da “bondade, e tolerância, e longanimidade” de Deus que deve levar ao arrependimento (Rm 2.4). É evidente que essas conversas evoluem com o passar do tempo, na proporção em que você constrói o relacionamento (p. 155–156).

    O capítulo em que são apresentados os dois casos, o de Tom e o de Nathalie, e eles são analisados a partir da tríade de identidade — santo, sofredor e pecador- é muitíssimo esclarecedor. Um dos melhores livros que li até agora sobre o assunto, pois, com esses estudos de caso, podemos ver como é possível atuar no Aconselhamento. Ao apresentar os casos: “Onde estão as marcas da graça na sua vida? Em que ponto a pessoa está vivendo de maneira verdadeira, consoante a sua identidade de Filho de Deus vivo?” (santo); “que circunstâncias impactam a luta da pessoa?” (sofredor); e “que desejos, pensamentos, emoções e ações não estão em harmonia com os valores do Reino e, portanto, em “conflito” com a história bíblica?” (pecador). Estas perguntas nos ajudam a delinear a situação em que os aconselhados se encontram, e, no capítulo seguinte, após essa hermenêutica da vida deles, precisaremos considerar as passagens bíblicas para suas situações. 

    Assim, no nono capítulo, o autor nos apresenta passagens do Antigo Testamento. Na verdade, ele nos apresentará Ageu 2. 1–9, uma passagem que, para muitos de nós, não seria escolhida, mas ele mostrará como que o tema do templo se conecta à dor do caso específico que ele nos apresentou: o templo destruído-restaurado — o templo que somos em Cristo! Sensacional! Agora, em determinado momento do capítulo, o autor diz algo que sempre esteve em minha mente. Ele diz que, esse texto de Ageu, Deus já o usara em uma luta do autor com uma situação de pecado. O que quer dizer isso? Sempre penso que é de nossa vida devocional diária que temos intimidade com Deus e com a Palavra e é de nossas devocionais que vêm a maioria desses textos que, um dia, aplicaremos. Em outras palavras, estamos vivendo com Deus e Deus nos está levando a viver na vida machucada e ferida de outros. Chego ao fim do capítulo com a certeza ainda maior de que Aconselhamento é tudo isso, mas é a lida diária, a maturidade, a disciplina e o treino que nos prepararão cada vez melhor para esse trabalho. No capítulo seguinte, o autor nos levará ao mesmo exercício, mas conectando agora os casos com textos do Novo Testamento.

    Do último capítulo, as duas ideias que mais me chamaram a atenção e que tem a ver como o que tenho conversado com amigos pastores é: 1) a total dependência do Espírito Santo; e 2) o valor da igreja como comunidade e família no apoio ao aconselhado. Tenho lido e visto vários “aconselhamentos”, mas o do Emlet tem algo diferente. Se eu pudesse trazer duas palavras seriam: realista e misericordioso. Realista, pois não vende algo que o produto não dará. Há muito aconselhamento aí fora prometendo o que não pode dar. E isso está ligado ao fato de que é um “método” que depende do Espírito Santo agir durante todo o processo de aconselhamento. As perguntas são essenciais, mas se o ES não agir não será a força do meu braço e nem a minha inteligência que farão o que só Deus pode fazer. E nas conversas que ando tendo com outros pastores sobre tudo isso que estou lendo, ouvi muitos falarem também que o aconselhamento se dá na “igreja”, na comunidade da fé, na família de Cristo. É também participando dos batismos, ceias e ouvindo as pregações; orando junto com os irmãos e uns pelos outros etc. Tudo isso ajunta-se ao processo de tratamento. Enfim, os meios de graça estão aí e foram entregues por Deus à Igreja para que fossemos curados. Portanto, não negligenciemos os meios de graça!

Fábio Ribas

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