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sábado, 2 de dezembro de 2023

Autoestima (XIII/2023)

 

    "Autoestima", de Jay Adams, lançado pela editora Nutra, é um livro sensacional e de leitura obrigatória. Todavia, é um livro escrito há 30 anos. E daí? Daí que você o lerá perguntando-se o que é que aconteceu que ninguém leu este livro?!

    Infelizmente, o alerta dado por Jay Adams não deve ter sido bem recebido e nem impediu que a heresia da filosofia da autoestima entrasse e fincasse suas raízes nas nossas igrejas. A leitura desse livro ajudou-me a identificar ainda mais a união entre a TMI (Teologia da Missão Integral) e a chamada TL (Teologia da Prosperidade). Há alguns anos, escrevi 3 artigos dizendo que essas duas "teologias" são irmãs siamesas, cuja diferença é que uma se coloca do lado direito do espectro político e a outra do lado esquerdo. Após a leitura de "Autoestima", consigo identificar ainda melhor a raiz comum e pagã entre a TMI e a TL, que buscam nutrir tanto o evangelho da justiça social como o evangelho da prosperidade econômica. Qual a raiz, então de ambas? A busca em querer atender ao que o homem entende ser a necessidade humana, ao invés de apresentar o que, biblicamente, o homem, de fato, necessita. Veja que ambas teologias querem saciar as necessidades humanas, que elas julgam ser relevantes.

    Jay Adams mostra que a filosofia da autoestima é pagã e, por isso mesmo, jamais poderia ser encontrada na igreja. Ou se escolhe o evangelho puro e simples ou se escolhe um outro evangelho. Essa hipervalorização do ser humano é resultado do casamento entre uma antropologia anticristã com uma interpretação errada de vários textos bíblicos. O mais surpreendente é ver citações absurdas vindas até mesmo da caneta de teólogos de envergadura como Hoekema e Packer e que, com seus escritos, acabaram corroborando para o erro da filosofia da autoestima!

    Pelo livro ter sido escrito há mais de 30 anos, assim que avançamos suas páginas, ficamos com aquela sensação de tristeza por vermos que somos hoje exatamente o que o autor nos alertou que seríamos, caso deixássemos que essa cosmovisão egoísta, fútil e centrada no fosso sem fim do nosso coração entrasse em nossas igrejas: músicas antropocêntricas, pregações afáveis e superficiais e uma educação cristã que sucumbiu ao respeito excessivo e idolátrico ao outro.

    Imagine ler um livro escrito há mais de 30 anos e que, à época, chamava a atenção para o desastre que uma ideia teria e ver que, realmente, essa ideia se alastrou e hoje somos fruto desse tragédia? O que eu e você precisamos é de Jesus e não de autoestima. As pessoas não têm problema de autoestima. O que elas têm é excesso de autoestima! O livro fala que, há menos de 30 anos antes de sua primeira publicação nos Estados Unidos, ainda era possível encontrar livros que ajudavam as pessoas a se libertarem de seu amor próprio e, assim, viverem mais dedicados ao benefício do próximo. Hoje em dia, o que ocorre é exatamente o oposto! O problema é que já vivemos numa sociedade fruto dessa mudança de perspectiva: hoje, todo mundo é sensível demais, tudo ofende, tudo desrespeita; qualquer palavra num tom mais alto já magoa. Se as coisas já se encontram dessa maneira, imagine dizer às pessoas a verdade bíblica de que elas são pecadoras miseráveis e do que, tão somente, elas carecem é de Deus? Exatamente por essa realidade é que não vejo nem um pouco com bons olhos a sanha de alguns pastores e teólogos na busca por "relevância" bíblica. Lembro do pastor Caio Fábio que em todo culto gostava de cantar aquela música "quero que valorize o que você tem, você é um ser, você é alguém…". Ele dizia até que ninguém sabia quem era o autor da música e, por isso, deveria ter sido um anjo que trouxe essa música para a Igreja.

    A questão é que a psicologia da autoestima e da autorrealização é a avó da atual teologia coach e da música gospel de autorreferência antropocêntrica ("do coração de Jesus você é o centro"). A base dessa heresia é que suas necessidades precisam ser atendidas para que, então, você atenda a Deus. Um escândalo de inversão da mensagem bíblica. O cristianismo prega que você deve colocar suas necessidades de lado para servir a Deus! A Palavra de Deus é a nossa necessidade real e fundamental. O resto é subproduto acrescentado (Mateus 6.33).

    A chave para uma melhor compreensão acerca da cilada da autoestima é discernir entre necessidade e desejo. Biblicamente, são muito poucas as nossas necessidades e a fundamental delas é Deus. Entretanto, o que temos chamado de "necessidade", na verdade, são desejos e nossos desejos podem ser, sim, pecaminosos. A filosofia da autoestima revela-se pagã, quando não confronta os nossos desejos, mas, antes, os serve, colocando-os na mesa da adoração.

    Todavia, há um capítulo do livro que me incomodou, pois, no meu entendimento, ele comete o mesmo erro que tenho visto em tantos púlpitos e em aulas de conselheiros bíblicos mundo afora. E eu vou explicar aqui qual é esse equívoco.

    No capítulo 6, "Amar… como a si mesmo?", Jay Adams incorre na incoerência de explicar o texto bíblico usando a palavra "amor" na mesma categoria que o mundo a usa. Mas ele não está sozinho. Já ouvi muitos pregadores e teólogos insistirem nesse discurso, mas queria sugerir uma outra leitura. Então, deixe-me explicar o meu ponto de vista e o erro do autor de "Autoestima" (lembrando que ele não está sozinho nesse seu equívoco).

    A confusão em questão, na minha interpretação, está no tratamento que se dá ao resumo que Jesus faz da lei e dos profetas:

Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é:

Amarás o teu próximo como a ti mesmo. (Mt 22. 34–36)

    A partir desse texto, vi muitos pregadores e teólogos chamarem a atenção para o fato de que não há um mandamento na Bíblia que ordene ao homem "amar a si mesmo" (e eu concordo com isso). O que eu não concordo é com a explicação do porquê isso ocorreria: "o homem não precisa de um mandamento dizendo que ele precisa se amar, porque o homem já se ama naturalmente". A ideia que pregadores e teólogos querem introduzir é que, por causa de nossa natureza totalmente depravada pelo pecado, já somos autocentrados e sempre buscamos nos amar. Ninguém, portanto, precisa ordenar que o ser humano faça o que lhe é natural fazer desde o ventre da sua mãe. Evidentemente que concordo com isso. Entretanto, e é aqui que eu quero chamara a atenção, concordo em parte.

    O problema no desenvolvimento de uma tese como essa está na "confusão de categorias" em relação à palavra "amor", pois, quando eu afirmo que não há ordenança na Bíblia para que o homem se ame, pois ele já faz isso natural e pecadoramente, eu estou dizendo que isto que o homem faz - amar a si mesmo - é de mesma categoria, qualidade e natureza que o amor que está expresso nos mandamentos citados de Mateus 22: 34–36. E isso, obviamente, não é verdade.

    Tanto no hebraico como no grego, mas talvez de uma maneira mais pontual no grego bíblico, há muitas palavras para falar do "amor". Algumas palavras são explicadas a que tipo de amor se referem a partir do contexto em que aparecem. Assim, mesmo que haja sinonímia e intercâmbio de uma palavra que parecia ser específica para descrever um tipo de amor somente, é próprio observarmos os contextos que inserem significados às palavras que usamos (e não somente trabalharmos com seus significados dicionarizados). As palavras, assim, ganham conteúdo próprio e específico de acordo com a mão do escritor, do contexto em que aparece e do tempo que também lhe muda o significado. Precisamos estar atentos a tudo isso. Sigamos em frente.

    Será que eu posso dizer, então, que não há uma ordenança de amor-próprio, porque o homem já se ama? Especificando o meu problema: será que o que esse ser humano, totalmente depravado, sente por si eu posso chamar de "amor"? Se assim o faço, estou dizendo que o que esse ser humano nutre por si é de mesma natureza do amor dos dois mandamentos de Mateus 22. Este é o ponto: não é! O "amor" que o ser humano sente por si pode ser chamado de muita coisa menos de "amor", pois o que o ser humano pode ter por si é autoestima, egoísmo, orgulho, vaidade, senso de autopreservação etc. Quando eu digo, citando o texto de Mt 22, que não há um mandamento de amar a si mesmo, porque o homem já se ama, no meu entendimento, algo muito grave ocorre: eu diminuo o que esses mandamentos estão me ensinando sobre o verdadeiro amor. Veja, se o ser humano não ama a Deus, como poderia ele amar a si mesmo? O ser humano, fora de Cristo, não ama ninguém, nem a si mesmo! É sendo amado por Deus, em Cristo Jesus, que ele descobre o que, de fato, é afinal "amor", descobrindo, inclusive, que esses sentimentos que ele nutre por si não podem ser chamados de amor. Conhecendo o amor do Pai, que está em Cristo Jesus, é que, e somente assim, ele pode rejeitar todos esses sentimentos pecaminosos que tem por si mesmo e, finalmente, ele sabe o que deve oferecer ao próximo: o amor sacrificial de Jesus - este é o amor que nos é revelado, quando Jesus resgata os dois mandamentos do Antigo Testamento e os renova em Si no Novo Testamento.

    Por isso, acredito que é um desserviço bíblico quando ouço autores, pregadores e teólogos dizendo que nos dois mandamentos de Jesus não há um terceiro mandamento de amar a si mesmo, "pois o homem já se ama". Com isso, você perverte todo o ensino de um amor que só pode ser conhecido em Cristo Jesus. Para mim, é uma confusão de categorias o que ocorre. Mas este não é um erro de Jay Adams, mas de muitos dos nossos pregadores e teólogos também.

    Tirando isso, o livro de pouquíssimas páginas é bárbaro!

Fábio Ribas

Todas as fontes estão em Ti (XXIII/2024)

Carlos Nejar é um poeta recém-descoberto. Todavia, ele publica vasta e variada literatura desde 1960. O currículo a seguir, retirado de uma ...