O que o cristão deve saber (ainda que seja uma verdade bíblica, mas esquecida ou mal compreendida) é que tudo é religiosidade, tudo é espiritual (Ef 6).
Esta é a premissa da qual todo cristão deveria partir: o que subjaz às decisões econômicas, políticas, educacionais ou de qualquer outra esfera são ideias espirituais, religiosas.
A Igreja de Jesus é a única que detém, de fato, a possibilidade de traduzir e interpretar com exatidão muito maior a linguagem do sagrado. Quando a Igreja não consegue se compadecer e se ofender pela profanação ao “sagrado do outro”, ela perde uma oportunidade ímpar que o próprio Apóstolo Paulo jamais se deu ao luxo de perder.
Paulo se ofendeu terrivelmente com a idolatria, mas o que aquelas imagens e aqueles deuses tinham a ver com o cristianismo de Paulo a ponto do texto usar a palavra paroxunō, que significa revolta (At 17.16)?
Paulo sabia que ali estava ocorrendo uma corrupção, uma profanação diante do sagrado que se manifestara aos Atenienses. E embora “acidamente ofendido” pelo que estava vendo, Paulo não perde aquela geração, mas consegue identificar um ponto de contato com eles: “…em tudo vos vejo acentuadamente religiosos” (At 17.22)!
Cabe aqui um parêntese. Embora o termo grego para “religiosos” (deisidaimonesteros) também possua uma conotação para nós negativa de “supersticiosos”, e assim foi traduzido na versão ARC, entretanto, respeitando o contexto do discurso paulino aos atenienses, acertadamente, as versões ARA, NTLH e NVI traduziram o termo para o seu outro significado: a ideia correta de “mais religiosos do que outros”.
Terminada a digressão, um novo ponto importante dessa passagem de At 17 para a Igreja Missionária que quer se comunicar com este “novo mundo” é a postura de Paulo de “olhar cuidadosamente (theōreō) os objetos de culto dos atenienses”.
Isto nada mais é do que o que citei no último artigo sobre a missiologia que “volta atrás”, vai ao ponto da essência do que é sagrado para o outro, querendo, verdadeiramente, compreender as ideias que subjazem o que se manifesta diante dos nossos olhos (leia: “A obra de arte como acesso ao mundo do artista e ao artista-no-mundo (ou “Por que devemos comer com os pecadores?”)”).
Ironicamente, o espírito que dá forma às ideias que sustentam, por exemplo, um movimento como a Parada Gay do dia 07 de junho de 2015 em São Paulo é o mesmo enfrentado por Paulo em Atos 17: os epicureus ensinavam que o objetivo principal do ser humano era viver de maneira prazerosa e sem dores ou medos, e os estoicos ensinavam que deveríamos viver em harmonia com a natureza e pregavam um deus panteísta, que era a alma do mundo.
A missiologia de Paulo previa um profundo conhecimento acerca do “sagrado para o outro” a ponto dele citar poetas pagãos na explanação a pessoas que desconheciam o Deus do Antigo Testamento!
A verdade é que o sagrado sempre estará presente, com imagens ou sem imagens, com cruz ou sem cruz, como bem demonstra a ilustração deste post. Fifty é uma obra de escultura de Filipe Cortez que, a partir da temática da crucificação, pretende denunciar os 50 países em que há pena de morte.
Ainda que não haja uma cruz material, visível, a nossa cultura está impregnada de cristianismo e é a esse cristianismo, bem ou mal compreendido, ou já amalgamado a um sincretismo pós-moderno, mas é a essa cultura judaico-cristã que o espírito de nosso tempo reage.
Como Paulo, devemos compreender os porquês do sagrado incomodar; da cruz ofender e ser usada também para ofender; da mensagem da cruz ser esvaziada de seu sentido e redefinida para o uso deste “novo tempo”. Enfim, precisamos compreender que “tudo é religião”, pois tudo é espiritual.
Precisamos acertar o alvo de nossa comunicação missionária e termos, diante de Deus, a consciência tranquila de que o Evangelho foi rejeitado pelo que ele significa e não por uma falha em nosso esforço missionário de compreender a agonia do sagrado do mundo.
Fábio Ribas
Publicado originalmente 25/10/2015
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