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quarta-feira, 17 de abril de 2024

O sagrado nosso de cada dia — um estudo de caso (1ª parte)

 


Nas últimas semanas, duas notícias chamaram a minha atenção. A 1ª foi com respeito ao auê das discussões sobre a Parada Gay. Contudo, não foi a Parada Gay em si o que me chamou a atenção, mas ver tantas pessoas de religiões diferentes e até mesmo ateus ofendendo-se com o desrespeito a elementos associados à cultura cristã.

A 2ª notícia foi o aval de D. Odilo Scherer para que uma escola de samba faça homenagem na avenida à Nossa Senhora Aparecida. Aparentemente, eu não tenho nada com isso, porque não sou católico. Todavia, surpreendeu-me ver no facebook evangélicos ofendidos com a atitude do líder católico, Arcebispo de São Paulo.

Esses dois fatos fizeram-me recordar também aquele grupinho de rock na Ufac queimando uma Bíblia no palco. Quem não se recorda também da proposta de retirada do “Deus seja louvado” das notas de dinheiro e a mudança dos nomes das cidades que fazem referência ao Cristianismo?

O que há em comum a todas essas notícias é que muitos dos que se colocaram como ofendidos diante dessas ações não eram, necessariamente, adeptos de grupos religiosos e nem pertencentes ao grupo atacado, manifestando, portanto, estarem ofendidos pela profanação daquilo que é sagrado para o outro. Por quê?

Muitas explicações podem ser dadas, mas a que mais me interessa aqui, por enquanto, e que não é consciente para a maioria das pessoas que se ofendem “pelo sagrado do outro”, é que o Sagrado é uma experiência universal.

Somos seres sedentos de Sagrado, porque fomos criados por Deus e, ainda que não aceitemos, a nossa vida diária é uma busca incessante pelo Sagrado, mesmo que essa busca não se reflita, necessariamente, numa busca pelo Deus verdadeiro (Rm 3.11b). Cientes desse anseio humano, a Ciência moderna, o Estado, ou mesmo a Filosofia e as Artes tentam apropriar-se do espaço do Sagrado.

Mas o que é o Sagrado e que força é essa que, mesmo numa sociedade secularizada, ainda é capaz de ofender tanta gente? O Sagrado é o que subjaz a toda experiência religiosa. E “se a religião gerou tudo o que existe de essencial na sociedade, é porque a ideia da sociedade é a alma da religião. As forças religiosas são, portanto, forças humanas, forças morais” (Durkheim).

Não há dúvida da importância do Sagrado à humanidade. O que eu aprendo com tudo isso? Que o Sagrado, para determinados segmentos cristãos, manifesta-se também por meio de uma cruz — um instrumento de morte que, ironicamente, foi “profanado” pelo próprio Sagrado a ponto de se transmutar em símbolo de vida.

Uma cruz que, conforme denuncia Salvador Dali no quadro “A crucificação” e que ilustra este texto, está parada, flutuando, desconectada da realidade de muitos que ainda olham para ela, mas que não a veem.

Eles intuem a cruz, mas o que muitos cristãos temos oferecido ao nosso tempo, como denuncia o quadro, é apenas uma sombra sobre a terra: é preciso, portanto, uma missiologia que “volte atrás”.

Para muito além de ofensores e ofendidos, há uma mensagem que resiste poderosamente e que, mais do que nunca, revelou-se ser escândalo e loucura (I Cor 1.23).

E é isso o que precisamos entender de maneira correta, pois, do contrário, enclausurados nas torres de marfim de nossas teologias exatas, perderemos esta geração para aqueles velhos inimigos de sempre: o paganismo, a idolatria, o nominalismo, o materialismo e o sincretismo.

A minha tese é que eventos como os que ocorreram e decorreram da Parada Gay em São Paulo, no dia 7 de junho de 2015 são oportunidades preciosas para acessarmos esse “novo mundo” ao qual a Igreja é direcionada pelo Espírito Santo a pregar.

Então é preciso que nos esforcemos, como Igreja Missionária, a um trabalho mais profundo de conhecimento desse espírito do nosso tempo — o Zeitgeist, como se aprende em teologia. E este será o assunto dos nossos próximos textos.

            Fábio Ribas

Publicado em 24/10/2015

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