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sábado, 11 de maio de 2024

União com Cristo e identidade sexual (XVII/2024)


“Cristo redime. Até mesmo nossas lutas, nossos fracassos e nosso sofrimento são redentores em Cristo. Mas há sangue envolvido. A redenção exige um cortar e lançar fora” (p.19).

Livro apaixonante! Rosaria nos dá novamente seu testemunho de conversão, mas resumidamente. O ponto alto, contudo, é que ela já é cristã de longa caminhada neste segundo livro. Ela agora pode tratar do cristianismo de maneira mais madura. Este livro é muito melhor que o primeiro na minha opinião. Além de ter uma teologia calvinista e saudável, Rosaria usa do seu conhecimento como professora de literatura, para nos falar dos erros de uma hermenêutica pós-moderna sobre a Bíblia. O próprio subtítulo — “Pensamentos adicionais de uma convertida improvável” — já nos indica uma continuação do seu primeiro livro (aqui). Ela fala de salvação e santificação, lembrando-nos que, em Cristo, estamos equipados para lutarmos contra nossos pecados e não cedermos aos nossos desejos caídos.

A tese central é que nossa identidade não está no que fazemos ou no que deixamos de fazer e nem na nossa orientação sexual, mas na nossa união com Cristo e no que Ele já fez e ainda está fazendo por mim. Antes de ser heterossexual, homossexual, ou quaisquer outras coisas que a chamada “orientação sexual” queira definir sobre nós, a verdade é que fomos criados por Deus e Ele nos fez da maneira certa. Assim, precisamos buscar nEle nossa identidade e não numa construção social, na psicologia ou na cultura. Não são os meus desejos ou pecados que devem definir minha identidade, mas Deus é quem sabe quem eu sou. E o que eu sou está definido pelo que Cristo fez por mim e ainda está realizando no meu coração!

“Quer a dor que você enfrenta agora seja a consequência do seu pecado, quer seja do pecado de outros, na providência de Deus e na fé salvadora, Romanos 8.28 ainda reina: “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito”. Não é a ausência de pecado que o torna um cristão. É a presença de Cristo em meio à sua luta que enaltece o cristão e o diferencia no mundo. A conversão real dá-lhe a companhia de Cristo enquanto você caminha pelo vale da sombra da morte. Na verdade, a queda fez tudo cair — incluindo meus desejos mais profundos. E isso aconteceu sob o olhar providencial de Deus, não por suas costas” (p. 21).

Somos chamados a lutar contra o pecado. O pecado que habita em nós, ainda que novas criaturas. Na leitura deste livro, descobri Thomas Watson. Quero ler mais este autor.

Rosaria falará também desta expressão “orientação sexual”. Ela demonstra que o mito da orientação sexual tende a nos fazer reduzidos ao aspecto sexual, aceitando o que Freud disse que, então, o sexo é o impulso que nos definiria. A partir dessa ideia, a autora mostra que termos aceito o termo “homossexualismo” reduziu a discussão exatamente a isto: que nossa identidade se circunscreve à nossa orientação sexual. Afinal, como cristãos, devemos dividir o mundo sexualmente? Nossa identidade não está nem mesmo na nossa heterossexualidade, uma vez que ela também foi atingida pelo pecado. Nossa identidade reside no fato de termos sido criados à imagem de Deus, mas só podemos restaurar plenamente essa identidade em união com Cristo.

Rosaria enfrentará a contradição da expressão “cristão gay”. Ela tentará achar uma resposta para o que quer dizer ser gay. Nesse mesmo capítulo, há uma discussão sensacional sobre comunicação e o poder que as palavras têm tanto para unir como para dividir. A partir de um diálogo com uma amiga, a autora enfrentará o fato do problema da “cura gay” e que, sendo a santificação um dom de Deus, ela pode não ocorrer na velocidade que gostaríamos. Devemos compreender que, ainda que sejamos cristãos redimidos, estamos em santificação, e portanto e por isso mesmo, devemos lutar perseverantemente contra desejos sexuais indevidos.

A autora irá nos desafiar a vivermos em comunidade: em casa, na vizinhança e na Igreja, que é a comunidade pactual. Hospitalidade, na raiz da palavra que a originou em grego, tem a ver com “amor ao estranho”. É um enorme desafio para estes tempos atuais em que idolatramos a privacidade e tememos os estranhos (que podem ser psicopatas e, talvez, só chatos mesmo).

Seria muito, mas muito difícil resumir a envergadura teológica apresentada neste livro profundo, sincero e bíblico. É preciso lê-lo! Leia agora!

            Fábio Ribas


PS — Uma das questões mais intrigantes durante a leitura de um livro tão acertadamente teológico é um deslize profundo da autora, que só piora quando penso ser este um livro que fala sobre “identidade”. Foi um erro logo sobre a identidade de Cristo. Deixei para falar isso num “postscriptum”, pois o livro é sólido e puritano no melhor sentido e tradição da palavra, mas, na página 116, ela comete um sério erro teológico ao afirmar que “a Igreja Primitiva confirmou que Jesus tinha uma natureza, mas duas vontades”. Procurei e descobri que ela escreveu isso mesmo (está no original em inglês), então, não é um erro de tradução. O livro passou na mão de tanta gente boa, tanto lá nos Estados Unidos como aqui no Brasil, e ninguém fez nenhuma consideração ou uma nota de rodapé corrigindo isso. Veja, tenho para comigo que precisamos todos estar atentos não apenas ao nosso pecado, mas também ao mundo espiritual, pois não deixa de ser uma ironia que um livro que busca resgatar nossa identidade em Cristo cometa um erro tão grave acerca da identidade do próprio Jesus.

Foi um deslize, sem dúvida, uma vez que, mais adiante, ela se refere às duas naturezas de Cristo. Contudo, espero que seja corrigido em próximas edições.

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