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terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Armas de fogo - elas não as culpadas (V/2024)


    Estreando com este livro a minha leitura de 2024 sobre “armas e lei”. Logo na orelha do livro, deparo-me com três perguntas essenciais: 1) “São as armas registradas aquelas que são apreendidas pela polícia, nas mãos dos criminosos?”; 2) “São fuzis e metralhadoras as armas entregues em campanhas de desarmamento?”; e 3) “As restrições, cada vez maiores, para compra de uma arma de fogo, reduziram a violência no Brasil?”.


    O livro “Armas de fogo — elas não são as culpadas”, do advogado e estudioso de segurança pública e criminalidade há mais de 20 anos, João Luís Vieira Teixeira, é fruto que vem sendo maturado desde sua pesquisa para a monografia de conclusão do curso de Direito, na PUC — PR. O presente livro já está em sua segunda edição. Esgotada, diga-se. E o que vem sendo tratado por ele é se “a proibição da venda de armas de fogo irá ou não resolver a preocupante questão da violência em nosso país”.


    Na apresentação, já somos lançados a um fato óbvio:


“…os criminosos não compram armas em lojas autorizadas, não têm licença para porte de armas e utilizam armas de fogo de calibre de uso proibido à população em geral. Um cidadão de bem não pode comprar fuzis e granadas, muito menos armas antiaéreas e lança-rojões de uso exclusivo do exército. Mas os criminosos utilizam. Como eles conseguem esse armamento? Então seria justo impedir um cidadão honesto de comprar uma arma para defender sua família do ataque de indivíduos violentos e mais bem armados que a própria polícia?”.


    O homem sempre utilizou armas para se proteger e proteger sua família e posses, diz o autor, desde tempos imemoriais. E eu digo mais: em todas as culturas da face da terra, o homem protege-se do ataque de animais e de outros homens. No capítulo 2, o autor traça um histórico do desenvolvimento das armas, desde paus e pedras até as armas nucleares.


    No capítulo 3, o autor já começa mostrando como que estatísticas podem servir para mascarar a complexidade de um problema em prol de um simplismo, como é o que ocorre na relação armas de fogo e violência. Ele destaca a estatística que mostra que,


“no Brasil, 89% dos homicídios são cometidos com o uso de armas de fogo. Ao mesmo tempo, no Japão, onde são proibidos a compra e o porte de armas de fogo, esse índice cai para 5%”.


    Pronto! A partir de uma informação como essa já se começa a defesa para o desarmamento. Todavia, uma pesquisa mais séria e comparativa entre o Brasil e o Japão rapidamente demonstra que nossas realidades sociais são incomparáveis: o desemprego, a inflação, nossa vergonhosa qualidade do ensino público etc, tudo isso são apenas alguns outros fatores que inexistem no Japão e que, no nosso caso, lançam muitos jovens sem oportunidade ao crime organizado. Pare e pense: retire todas as armas dos cidadãos de bem neste exato momento e o que acontecerá? O índice de violência diminuirá? Assaltos à mão armada e homicídios cairão? De modo algum! E quando insistimos nessa lógica torta estamos ligando a terrível violência no Brasil ao cidadão de bem e não ao criminoso! Além disso, os nossos jovens continuarão a ser cooptados pela rede do crime organizado.


    No capítulo 4, o autor lança um olhar sobre a legislação de armas de fogo. Será tratado da mudança que a lei trouxe para o porte ilegal de armas, que, antes, era apenas uma contravenção, mas, após a nova lei, passa a ser crime. Embora as legislações pareçam tratar da situação de delinquentes, não podemos esquecer do uso de armas de fogo para outros fins, como: esporte, coleção etc. Um dos pontos interessantes desse capítulo é o fato do “tiro de advertência”, para inibir um assalto. Esse não deve ser dado para o alto em lugar sem cobertura, pois a bala que sobe terá que retornar e pode ocorrer um acidente com isso. Entretanto, quaisquer contra-argumentos aqui não podem descartar o fato de que há uma burocracia restritiva para a aquisição de arma e um preparo necessário também aos que irão tê-la. Enfim, não se defende que armas sejam entregues para todos. O que se quer é que aquele que deseja ter a posse tenha esse direito garantido e que, então, possa passar pelo crivo de todos os critérios para possuir sua arma.


    Nosso código penal brasileiro, no art. 25, prevê a legítima defesa. Assim, o direito à legítima defesa, num ataque, numa invasão domiciliar, em que a pessoa esteja defendendo sua própria vida, sua família e suas posses é legítimo. Contudo, vemos muitos autores, como o ex-Senador José Roberto Arruda, criando projetos de lei que visavam a diminuição da violência por meio da restrição do uso de armas de fogo no Brasil. Mas, segundo estudiosos do Direito, como Celso Ribeiro Bastos, quando nosso Código Penal prevê em seu art. 25 a hipótese de ocorrência de legítima defesa, “esses meios de defesa, nos dias de hoje, são as armas de fogo”. O autor conclui:


‘…nosso Código Penal autoriza o uso (moderado) das armas de fogo como meio para se defender da tão citada e assustadora violência que se verifica no Brasil, até mesmo porque nossos legisladores, à época da elaboração do Código Penal, já previram, ou constataram, que o Estado falharia nesse seu compromisso”.


    Qual compromisso? De cumprir o que diz nossa Constituição Federal: a proteção do cidadão. As polícias não são onipresentes. O Estado é omisso em várias regiões do Brasil em que as facções criminosas dominam, sendo assim, como pode o Estado proibir seu cidadão de defender-se? Mas a mídia e a propaganda mentirosa feita pelo próprio Estado para fazer prevalecer fatos inexistentes são, na verdade, imorais: o orçamento gasto com a referida consulta popular de 2005 foi de 250 milhões de reais. Isto foi mais do que todo o gasto público federal investido em segurança pública naquele ano. E, depois desse gasto todo, todas as ações do Estado foram na contramão da decisão do cidadão que disse NÃO ao desarmamento.


Documentário “Desarmados”


    Citado no livro “Armas de fogo”, logo fui assistir na Amazon. É um pequeno documentário de apenas 1h16m. Porém, farto de muitas informações históricas do Brasil e também do mundo.


    Duas frases abrem o documentário. A primeira delas faz menção a Hitler, que desarmou os judeus na Alemanha. A segunda frase é esta: “Em 2005, mais de 59 milhões de brasileiros votaram contra o desarmamento civil. O direito dessas pessoas não foi respeitado”.


    O documentário é apresentado pelo ator e esportista Taiguara Nazareth. Só há duas questões técnicas que prejudicam um pouco: em determinado momento, por pouco tempo, a luminosidade do documentário cai sem nenhuma explicação; e não colocaram nenhuma legenda quando o líder árabe fala na entrevista.


    Os pontos de destaque do “Desarmados”:


1) Os Maias existem hoje graças às armas que eles tinham, mesmo antes da chegada dos espanhóis. Elas impediram que os Maias fossem dizimados por povos inimigos, assim como pelos espanhóis (há mais de 7 milhões de descendentes dos maias que mantêm ainda alguns aspectos de sua cultura e língua);


2) No Brasil, as armas sempre sofreram restrições, apesar dos colonos serem convocados para defender a colônia dos ataques de corsários ingleses, e das invasões de franceses e holandeses. No Brasil Colônia, qualquer pessoa que fabricasse armas sem o consentimento da Coroa Portuguesa sofria pena de morte. No Império, as armas eram proibidas aos indígenas e aos negros. Na República, Getúlio Vargas começa uma forte restrição às armas. Além disso, na volta vitoriosa dos nossos soldados da FEB, depois da Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas desmobiliza a FEB antes mesmo deles chegarem ao Brasil. Apesar da recepção popular, esses soldados são mandados para os mais diferentes e distantes lugares para servirem e outros são dispensados do serviço. Seria inviável para Vargas ter heróis celebrados que lutaram contra contra a Ditadura europeia, enquanto, no Brasil, seu Governo era ditatorial;


3) A estratégia de usar o desarmamento da população para viabilizar ditaduras começa no Japão do século XV. As armas são introduzidas pelos portugueses, e com sua metalurgia avançada, logo os camponeses japoneses estavam armados. A saída da elite do Japão foi dizer que precisavam das armas para que pudesse ser feita uma estátua de Buda. Os camponeses acreditam, mas, logo após esse desarmamento, vem a proibição de terem armas novamente. A derrubada do Czarismo na Rússia segue a mesma lógica japonesa. Uma vez usados para a revolução bolchevista, os camponeses são desarmados logo depois. Hitler, na Alemanha, é o caso mais contundente. Ele sabia que precisava desarmar seus inimigos para centralizar seu Governo. Em Cuba, o desarmamento ocorreu assim que Fidel Castro tomou o poder;


4) No Brasil moderno, Fernando Henrique Cardos é quem inicia o desarmamento com intenção de conseguir uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU. O Deputado Eduardo Jorge do PT propõe um projeto de lei extremamente restritivo, em que até policiais, que não estivessem de serviço, não poderiam portar armas de fogo. Em 1997, o porte de arma deixa de ser contravenção e vira crime. Durante os escândalos do Mensalão, em que houve repasses de verba vultuosos na véspera da aprovação do Estatuto do desarmamento, o Presidente Lula aprova o que, então, oficializa nossa derrocada de segurança no Brasil. Por quê? O documentário mostra que, a partir das legislações cada vez mais restritivas, só aumenta o índice de violência no Brasil, chegando aos seu pico nas vésperas da eleição de Bolsonaro, com quase 50.000 homicídios naquele ano.


    É preciso abrir a discussão, uma vez que o Governo não dá conta da escalada da violência contra o cidadão de bem no Brasil. A violência já existe e as armas de fogo estão nas mãos dos bandidos.


    A pergunta final que fica é: eu tenho direito de tirar o direito de quem quer usar uma arma de fogo para sua legítima defesa? A resposta a essa pergunta já foi dada por 59 milhões de brasileiros em 2005 e o Estado não a respeitou.

                                Fábio Ribas

        

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