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terça-feira, 9 de abril de 2024

A mitologia grega (XI/2024)

O mito, portanto, vai dizer Aristóteles na Poética, é “o princípio e como que a alma da tragédia”. “Mythos” é usado pelo filósofo em dois sentidos: 1) a narrativa, a história, o enredo bem engendrado, conectado, construído; e 2) no sentido da coleção de histórias, lendas e folclores deixados pela tradição e trabalhados artisticamente pelo poeta como fonte das tragédias e epopeias.  Assim, nada mais fascinante do que lermos o livro do historiador Pierre Grimal amarrando as narrativas da mitologia, apresentando-as conectadas e desenvolvidas numa ordem para o prazer da nossa leitura e compreensão desses mitos.

  E uma das tantas qualidades desse pequeno livro é o de demarcar a diferença e semelhança, o fluxo e o refluxo dessa linguagem: o mytho e o logos. Nessa delimitação, cresce, diante dos nossos olhos, a beleza do Cristianismo, enquanto logos, e a beleza das narrativas gregas, enquanto mytho. “O mito se opõe ao logos como a fantasia à razão, como a palavra que narra à palavra que demonstra. Logos e mythos são as duas metades da linguagem, duas funções igualmente fundamentais da vida do espírito”, diz Grimal.

   Assim, no ambiente do mito, este é atraído por aquela parcela do irracional (ou atrai a ela) e é aparentado de toda arte, em todas as suas criações. Daí, para Aristóteles, o poeta (e todo artista) ser um imitador e um imitador das ações e daí a tragédia erguer-se como aquele veículo da mimese por excelência, em que o poeta ensinará ao público as virtudes reveladas pelo seu trabalho artístico com o mito. E teremos prazer em aprender com os poetas, porque aprender dá prazer, mas aprender com poetas melhores as virtudes que eles nos ensinam em sua arte é prazer maior ainda.

     Após traçar um encadeamento dos mitos gregos, na parte final de seu livro, Grimal irá questionar a maneira que durante a história tentaram se aproximar dessa mitologia. Desde uma abordagem “desmitológica” nos séculos XVIII e XIX, em que se retira todo o maravilhoso para tentar encontrar apenas o que de fato ocorreu, até um agrupamento por meio de um “método comparativo”, pelo qual se tenta agrupar mitos do mundo todo a partir de seus temas comuns. Mesmo nas perspectivas mais recentes em que se sociologiza ou se psicologiza os mitos, até nisso Grimal vê uma abordagem incompleta, infeliz e que retira dos mitos aquilo que eles têm de mais específico.

      A conclusão particular a que chego após um encontro tão prazeroso com o livro de Grimal é que os mitos, enfim, mais do que suportes para esquemas de uma sociologia ou psicologia coletivas, revelam-se receptáculos de nossas próprias e inefáveis experiências individuais. Este é o segredo e a chave do mito.  

A mitologia Grega – resenha

     “O mito não se limita a seus termos. Esboça uma imagem, um símbolo, se se quiser, de uma realidade que, de outro modo, seria inefável”, diz Grimal. Portanto, o mito como símbolo é o que interessa ao nosso estudo em nossa bibliotheca.

      Cabe aqui lembrar, porém, a origem da palavra “aristocracia”, que vem de aristoi, que são aqueles que possuem a areté, que é a virtude.  Mas o que era a virtude para Homero já é diferente do que entende Aristóteles. Na Poética, Aristóteles ensina que o poeta é um imitador e que a tragédia (e a epopeia) são imitações das ações e estas nos revelariam o caráter do herói, suas virtudes. O problema é que “virtude” (areté) para Homero é a característica de um alto ideal cavalheiresco aliado a uma conduta cortesã e ao heroísmo guerreiro. Não é de se espantar, então, que Alexandre e César oferecerão libações no túmulo de Aquiles, pois este é uma fonte de inspiração. Grimal chama a atenção de que é somente na era dos filósofos sofistas que a noção de virtude irá ser questionada, uma vez que, em Homero, Ulisses, por exemplo, não tem questionados as suas mentiras e falhas de caráter. Já em Aristóteles, “os heróis lendários são submetidos a uma crítica moral” (e espiritual). Os mitos, diz Grimal, irão se tornar uma imensa reserva de exemplos de virtudes e vícios, que deverão ser escolhidos por cada um de nós.

    “O mito – em sua forma de relatos épicos – torna-se o instrumento da educação moral. Nas escolas da Grécia clássica, as crianças – desde a mais tenra idade – aprendem de cor os poemas homéricos, e o professor extrai dos mesmos máximas e preceitos de conduta. Para muitas gerações, Homero foi o educador por excelência”, recorda-nos Grimal.

        E a aristocracia é aquele grupo de pessoas ligadas aos antigos heróis, que guardam as suas virtudes e com elas se identificam geneticamente, assim, os mitos também tem essa característica de colorir a história e servir “como título de nobreza para cidades e famílias” (para ver melhor a imagem abaixo, basta clicar sobre ela e expandi-la).


         Para facilitar a apresentação dos mitos, Grimal os organiza a partir de “ciclos”: 1) os mitos teogônicos; 2) os mitos olimpianos; e 3) os mitos heroicos. Para a grande gênese dos deuses apresentada por Grimal, ler aqui. Nos mitos teogônicos, podemos acompanhar o início de tudo e o surgimento do deus caçula, Zeus, que irá ser o responsável pela disputa de poder até que ele possa se assentar no trono dos deuses e dar início ao ciclo dos deuses olimpianos. No último ciclo, o dos heróis, somos apresentados a seis ciclos: a expedição dos argonautas, o ciclo tebano, o ciclo dos átridas, o de Hércules, o de Teseu e, finalmente, as aventuras de Ulisses.

        Poderemos descobrir a origem da palavra “areópago”; a maldição contra a relação homossexual que deu origem a tragédia de Édipo; o papel das mulheres que traíram seus próprios pais e seus países por amores que não foram correspondidos, entre muitas outras narrativas que ainda marcam nossa imaginação. Na verdade, após a leitura tanto da “Poética” de Aristóteles como a “mitologia grega” de Grimal, é impossível resistir ao desejo de reencontrarmos todas essas histórias e as relermos com fascínio redobrado por tudo o que, na verdade, elas simbolizam para cada um de nós. 

                                Fábio Ribas  

 

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