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terça-feira, 9 de abril de 2024

Semiótica em Platão


                  (clique sobre as imagens para aumentá-las)

        Como aborda Winfried Noth (o 3º slide deste texto é feito a partir de seu resumo do signo em Platão), há uma “história etimológica e institucional” da semiótica. Entretanto, quero tratar da semiótica em Platão a partir de uma história da teoria dos signos “implícita e explicita”, que se constitui de um estudo avant la lettre da doutrina dos signos verbais e não verbais. Como podemos relembrar a partir do slide acima, em Crátilo, Platão apresenta um modelo do signo de estrutura triádica – o nome (ónoma, nómos), a noção ou ideia (eidos, logos, dianoéma) e a coisa (prágma, ousia), que é aquilo a que o signo se refere.


         Quando tratarmos do signo na história, perceberemos que vários autores deram nomes diferentes aos mesmos conteúdos (já abordei esta questão aqui), então, para facilitar essa comparação bibliográfica, procurei associar no slide acima outras nomenclaturas de outros autores) para aquelas usadas por Platão. Assim, para o “nome”, outros autores trataram de “Símbolo”; para “a coisa à qual o signo se refere”, outros autores denominaram de “referente”; e, no caso de “noção ou ideia", você poderá encontrar uma nomenclatura diferente dependendo do autor: “referência”, “conceito”, “imagem mental”, “a informação que o nome transmite ao ouvinte”, “significado”.


         O slide acima procurou representar a discussão tratada em "Crátilo" (que foi, como o próprio subtítulo dessa obra demonstra, sobre “a justeza dos nomes”). Veja que no slide há uma ligação entre o “nome” e a “noção ou ideia”, assim como há uma ligação entre a “coisa à qual o signo se refere” e a “noção ou ideia”, porém o que não parece haver – e esta é a discussão em Crátilo – é a ligação entre o “nome” e a “a coisa à qual o signo se refere” (daí o ponto de interrogação no slide).


           
         

        Neste segundo slide, exatamente para refletir as discussões em Crátilo, pequenas modificações foram feitas em relação ao primeiro: 1) a ligação entre o “nome” e “a coisa à qual o signo se refere” é natural ou é uma convenção? 2) É a “ideia” (ou Forma) o que une o “nome” à “coisa à qual o signo se refere”? e 3) “a coisa à qual o signo se refere” parece estar em certa união natural com a “Ideia”, assim como parece haver uma ligação natural do “nome” com a “Ideia”. Além disso, chamei a atenção para não confundir o conteúdo platônico da “coisa à qual o signo se refere” (ou o “referente”) com o que para Saussure é chamado de “significante”, pois para Platão o modelo de signo é triádico, isto é, há uma ligação com o mundo fora da mente do indivíduo, enquanto que, para Saussure, o signo é diádico, isto é, o “significante” é apenas mental.


         Didaticamente, cabe aqui relembrar que toda a teoria do signo discutida em Crátilo parte de duas doutrinas de Heráclito, a saber: 1) a doutrina do fluxo de todas as coisas, que é representada por Protágoras e Hermógenes, que conclui ser impossível às palavras (nomes) revelarem algo da essência das coisas, daí toda ligação entre o nome e as coisas ser arbitrário – “convencionalismo”; 2) Heráclito também pregava a doutrina da emanação, que é representada por Górgias e Crátilo, que, a partir dessa doutrina heráclita, concluem o oposto, a saber, embora haja o fluxo ininterrupto de todas as coisas, estas “emanam” algo de sua essência que é captado pelos nossos sentidos, daí toda ligação entre o nome e as coisas ser natural – “naturalismo”. Veja que o naturalismo de Górgias não era uma identificação com o Ser das coisas, mas uma “captação”


         Ainda em “Crátilo”, a saída proposta não é nem a do convencionalismo e nem a do naturalismo, antes, o “nome” é uma imagem. Assim como uma pintura é uma imagem de alguma coisa, o “nome” (substantivo, verbo, advérbio, etc) também é cópia de uma realidade em si. Contudo, mesmo essa ideia do nome como imagem vai falir toda a discussão no livro. Portanto, qual o melhor caminho? Aprender da imagem (nome) sobre a verdade que ela espelha ou aprender da própria verdade? A resposta final do livro é que o melhor é entrarmos em contato direto com a verdade, que, num primeiro momento, pareceriam ser as coisas. Entretanto, as coisas são também imagens. Assim, no Timeu, a imagem (não do nome, mas das coisas - estas são imagens das Formas, das Ideias) será a solução platônica que garante a inteligibilidade do mundo. Veja abaixo:



         

        O que se pode concluir? É que o modelo triádico platônico, na verdade, deságua numa concepção quase diádica, uma vez que “a coisa à qual o signo se refere” é apenas uma cópia da Ideia e, relembrando toda a discussão de Sócrates tanto em Crátilo como em Fédon de que o melhor é a busca da Ideia do que da cópia da Ideia, a Filosofia irá, então, afastar-se da realidade material do mundo e se dedicar ao que o pensamento e a reflexão são capazes de oferecer: a realidade da metafísica, um caminho “mais excelente”. Perceba, as ideias têm consequências: esse "descaso" com a realidade concreta das coisas em si marcará tragicamente um cristianismo místico, que nascerá de um casamento com o neoplatonismo, assim como, posteriormente, ocorrerá tanto com Descartes como com Saussure, que defenderão uma concepção mentalista do signo. Mas, para Platão, a realidade, o referente, “a coisa à qual o signo se refere” é, tão somente, uma cópia, que deverá nos remeter à verdadeira realidade que é o original no mundo das Formas (ora, aqui, podemos, exatamente, ver o prenuncio da filosofia de Kant). 


                                            Fábio Ribas

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