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quinta-feira, 13 de junho de 2024

Defenda-se (XXII/2024)


Enquanto lia o livro de Sanford Strong (5º livro da série “Armamentismo”, deixarei os links no fim), muitas histórias e lembranças passavam na minha mente. Ficava perguntando se eu tomaria, de fato, algumas daquelas atitudes, caso me visse diante de uma situação de violência urbana. O livro “Defenda-se — um manual de sobrevivência ao crime urbano com regras que protegem você e sua família” é exatamente isso que o título promete. Eu fiquei com o desejo de compartilhar com mais pessoas sobre tudo isso o que li neste livro. Conversar mais sobre todas aquelas histórias e regras que vão na contramão de tudo o que assistimos na mídia e nos filmes. E por ir na contramão de nossa cultura ingênua e hollywoodiana é que o livro tem esse poder de nos incomodar tanto. Veja, é um imperativo: DEFENDA-SE! 

Lembro-me que só um outro livro causou-me algo semelhante: “Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado”, de Ana Beatriz Barbosa Silva. Assim que li o livro de Ana Beatriz, convenci-me de que era um livro que ajudaria muitas pessoas a se protegerem do mal que poderia estar assediando suas vidas. O que eu fiz naquela época? Preparei uma série de slides e passei na igreja em que eu pastoreava. O que eu jamais poderia imaginar é que, naquela cidadezinha do interior do Brasil, ocorrera, quase duas décadas antes da minha chegada, um crime bárbaro que abalara a todos ali. Qual não foi minha surpresa quando, meses depois da minha palestra, para qual convidara vários representantes da sociedade civil, alguém perguntou: “Você sabia desse crime, quando deu aquelas palestras?”. Olhei estupefato e indaguei: “Que crime?!”. Foi somente aí que fiquei sabendo não apenas do crime bárbaro que envolvia gente graúda da cidadezinha, mas que muitos pensavam que eu havia feito de propósito, para forçar a retomarem as investigações ou que eu seria alguém (contratado talvez) para investigar o crime sem solução. Não foi apenas isso. Disseram-me que, quando o crime completou 10 anos e ninguém havia sido julgado, a cidade foi às ruas clamar por justiça. As ruas ficaram lotadas, cartazes e manifestações de protesto na porta da Prefeitura, em que estavam todos os processos, uma vez que a cidade não possuía cartório. Uma semana depois dessa passeata, a Prefeitura pega fogo e todo o processo é destruído nesse incêndio “acidental”.

Enfim, a violência urbana e a impunidade não são privilégios da cidade grande. Como essa história que contei aqui, vi muitas outras se repetindo pelo interior do Brasil. A polícia não chegará a tempo e talvez você não possua uma arma para se defender. O que fazer? O livro de Strong é uma série de respostas práticas a essa pergunta. As respostas passam também pela desconstrução dos mitos de defesa que muitas vezes alimentamos erroneamente em nossos corações. É assustador a conscientização que passamos ao ver que quase nenhuma das técnicas de defesas pessoais, por exemplo, que usamos contra a violência urbana têm resultado. Assim como a maioria das orientações do que é “ensinado” para reagirmos a essa violência, na verdade, não nos livrará dela, ao contrário, tende a só nos lançar a ela submissamente. O objetivo do livro é tratar daquilo que REALMENTE pode ser mais eficaz na hora de sermos atacados: nosso preparo mental.

Medo e rapidez — as duas armas dos criminosos usadas contra nós. Segundo o autor, você deve dirigir o seu medo para um ódio primitivo contra o agressor. Você não pode ceder às ordens do agressor. Você deve fugir, lutar para fugir. Então, você deve se preparar para a situação de emergência.

Há regras: 1) reaja imediatamente; 2) resista; 3) evite chegar à cena do crime nº2; 4) não desista nunca. Estas regras tendem a minar os 3 fatores que beneficiam os criminosos: tempo, isolamento e controle. Quanto mais tempo você passa sob o controle do bandido, menos chances você terá de reverter a situação a seu favor. Se você permitir que ele o leve a um lugar isolado, o risco de morte é evidente. Quanto mais você se submeter às ordens e ao controle do bandido, mais poder você estará dando a ele. Não espere compaixão de um reincidente (e você nunca saberá com quem está lidando). Por isso, as regras. Você precisa, desde agora, investir no preparo mental, saber que terá de tomar atitudes rápidas e não refletidas, mas previamente planejadas para fugir da situação de perigo. Você não pode se entregar e se deixar dominar: resista! É preferível sair ferido e machucado do que morto! Na verdade, se o bandido não rende e retira o que ele quer de você na hora da abordagem, mas ameaça sequestrar e levar você para um lugar isolado, isto mostra que ele não está disposto a apenas um assalto, mas à violência, estupro e, provavelmente, assassinato. Então, você não pode “pagar para ver”. Em outras palavras, se ele já o abordou e coagiu (cena do crime 01), não permita que ele o carregue para um outro lugar (cena do crime 02). Não desista nunca! Corra! Não pare! Não se entregue! Entregue seus documentos, seu carro, cartões e dinheiro, mas, se ele quiser te dominar e levar a um lugar isolado, resista e corra! A maioria desses criminosos é reincidente e não permitirá que você sobreviva para reconhecê-lo depois. Ele não vai querer voltar à prisão. 

O livro é impressionante. Apresenta uma postura diante da violência que vai na contramão do que vemos na mídia. Um livro com muitas regras do “o que fazer” nessa e naquela situação. O autor também usa das histórias reais que ele conta para mostrar o que as vítimas fizeram de certo e errado. São estudos de caso que a escola e nossas famílias nunca nos ensinaram. O autor irá abordar como podemos agir corretamente para defendermos um terceiro, sem que acabemos nos tornando a vítima: 1) mantenha distância; 2) mantenha a situação ao alcance da vista; 3) mantenha os bandidos pressionados. Buzine, jogue o carro contra uma vitrine, dispare alarmes — ações como essas espantam bandidos que não esperam que o crime saia do controle deles. Não se deixe levar como refém e nem se amarrar. O fato óbvio é que, quanto mais o tempo passa, mais o refém perde o seu valor e não será deixado vivo para reconhecer seu agressores mais tarde. Grite, esperneie, reaja, corra! Mais uma vez: é melhor sair ferido e machucado do que morto.

Um dos pontos mais difíceis talvez seja o de planejar a reação em família. Alguém precisa fugir ou todos estarão em risco de morte. As crianças precisam ser treinadas para, por exemplo, em caso de roubo do carro levando a família dentro, fugirem no primeiro sinal de alerta. É preciso entender que alguém terá que ficar para trás e que isso pode ser a única chance da família sobreviver. Fuja! É a melhor chance de encontrar socorro policial. E se a sua casa, com sua família dentro, for invadida por ladrões? Por isso o preparo mental precisa ocorrer. Além de tudo isso, o livro ainda trará regras para como a família pode sobreviver em caso de incêndio. O preparo mental de como agir em todas essas situações é o que ajudará num momento em que você não pode perder tempo pensando!

Assim como fiz com o livro da Ana Beatriz, gostaria muito de fazer um estudo ou leitura com a comunidade ao meu redor. É um livro para ser lido, conversado com a família e com os vizinhos. Um livro imprescindível!

Série armamentista:

  1. Armas de fogo — elas não são as culpadas;
  2.  Hitler e o desarmamento;
  3. Articulando em segurança;
  4. Armas de fogo e legítima defesa — a desconstrução de 8 mitos.

terça-feira, 11 de junho de 2024

O Duplo (XXI/2024)


O que há de comum entre o primeiro livro de Dostoiévski, “Gente pobre”, e seu segundo, “O Duplo”? Este segundo foi lançado apenas duas semanas depois do primeiro livro, que causou grande impacto positivo no público e na crítica. Poderia dizer que ambos tratam da realidade social da Rússia daquele tempo. Contudo, o personagem principal do segundo livro se encontra numa situação financeira melhor que os personagens de “Gente pobre”. O “nosso herói”, expressão sempre trazida pelo narrador de “O Duplo” para se referir ao senhor Golyádkin, tem casa própria, um bom salário e um empregado que o serve. Mas, na hierarquia social, sua profissão é uma das mais baixas do setor público da Rússia. Assim, a trama se desenvolve também no desejo do personagem em ascender socialmente.

Queria começar dizendo que, ao contrário de muitas críticas que li, eu amei o livro! Fiquei muito envolvido com a história e sua crescente tensão. Lembrei-me de “O castelo branco”, de Orhan Pamuk. E tentei recordar de quantos romances e histórias sobre personagens que encontram um sósia impregnam nossa imaginação literária. “O príncipe e o mendigo” é clássico, não? Dostoiévski, porém, escreve uma história genial e muito diferente de seu primeiro livro. Talvez, por isso mesmo, seus leitores e seu tempo não estivessem preparados para o que encontramos aqui.

Afinal, o que está acontecendo? Verdade ou mentira? Sonho ou loucura? O livro começa nos apresentando uma posição dúbia. Seguimos, depois, para um encontro do “nosso herói” com seu médico e vemos, a partir desse diálogo, que Golyádkin tem certos problemas de adequação social. Este médico irá retornar na sombria cena final do livro. O fato é que Golyádkin, após sua parada no consultório médico, vai à festa em que pretende pedir Clara em casamento. Entretanto, chegando lá, descobrimos que ele não fora convidado (estranhíssimo, não?). Há uma sequência de patetices nessa festa que me lembra aquele filme “Um convidado bem trapalhão”, com Peter Sellers. Eu fiquei com vergonha alheia do personagem. Por fim, ele é expulso de lá. Seria aqui, num personagem já fragilizado, que a loucura se instalaria? Você já passou por vergonhas tão intensas que sua mente se desassociou de si mesmo? Seria isto que veríamos ocorrer neste romance de Dostoiévski?

E se não conseguimos ser quem almejamos? Se, tão tragicamente, levantam-se contra nossos planos a Providência e tudo parece, enfim, vir na contramão deste verso paulino: Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito (Rm 8:28). O senhor Golyádkin não fora convidado para a festa, não fora chamado e, portanto, não há propósito algum que o guie a bom termo. Todas as coisas NÃO cooperam para o bem do nosso herói, pois ele perde sua pretendente, perde não apenas o novo cargo que almejava, mas perderá seu emprego também, ele perde a dignidade. A pergunta é se Golyádkin não está perdendo a própria sanidade? Agora nos aparece o Duplo, alguém não somente muito parecido com ele, mas que carrega até mesmo seu mesmo nome. Loucura? Verdade? Embora ocorra um primeiro momento de boa interação entre os dois, veremos que o aparecimento do Duplo só irá lançar “nosso herói” numa tragédia cada vez pior.

O livro foi fascinante e muito angustiante para mim. O Duplo é um personagem insuportável e, pior, é um personagem que encarna tudo o que “nosso herói” não é, mas deseja. O Duplo é afável, carismático e comunicador. Assim, o Duplo vai tomando espaço na vida e no trabalho de Golyádkin. Contudo, na vida não poderemos ver “dois”, ainda que gêmeos, ainda que sósias, num mesmo espaço. Alguém terá que perder nessa concorrência.

Sonho ou loucura? Um personagem tragicômico é o “nosso herói” Golyádkin. O que Dostoiévski pretendia com esse livro? As explicações são as mais diversas entre os críticos e leitores deste livro. Repetirei a minha própria explicação dada mais acima: a loucura nos vem quando tentamos ser quem não somos! E a falta de resiliência transforma a todos e a própria Providência divina em inimigos num surto de paranoia. Golyádkin, desde o início, não queria ser quem ele era. Preocupava-se excessivamente com olhar alheio sobre si mesmo. Tentou e não conseguiu. Viu a si mesmo e, ironicamente, também não gostou do que viu no “Golyádkin segundo”. Seu Duplo era tudo o que ele gostaria de ser, mas, no fim, seu Duplo, este seu “outro”, foi sua própria destruição. Para mim, este livro é uma obra de arte.

            Fábio Ribas

Todas as fontes estão em Ti (XXIII/2024)

Carlos Nejar é um poeta recém-descoberto. Todavia, ele publica vasta e variada literatura desde 1960. O currículo a seguir, retirado de uma ...