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segunda-feira, 1 de julho de 2024

Todas as fontes estão em Ti (XXIII/2024)


Carlos Nejar é um poeta recém-descoberto. Todavia, ele publica vasta e variada literatura desde 1960. O currículo a seguir, retirado de uma entrevista feita com ele no site “domingo com poesia”, só revela a minha ignorância (e talvez a sua também):

"Carlos Nejar nasceu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 11 de janeiro de 1939. No âmbito profissional, foi Advogado, Promotor, Procurador de Justiça e Professor de Português e Literatura.
"Com quase 100 (cem) obras publicadas, dentre poemas, romances, dramaturgia, contos, novelas, ensaios e infanto-juvenis, destaco os livros, Casa dos arreios (1973), Somos poucos (1976), Árvore do mundo (1976), O chapéu das estações (1978), Um país o coração (1980), A ferocidade das coisas (1980), Amar, a mais alta constelação (1991), Meus estimados vivos (1991), Elza dos pássaros ou a ordem dos planetas (1993), O túnel perfeito (1994), Sonetos ao paiol, ao sul da aurora (1997), Teatro em versos (1998), Carta aos loucos (1999), Velâmpagos: haicais ou móbiles (1999), Todas as fontes estão em ti (2000), O caderno de fogo (2000), Ulalume (2001), Guilhermina enfermeira e tia da República (2002), As águas que conversavam (2003), O poço dos milagres (2004), Canções (2007), O inquilino da Urca (2008), Jonas Assombro (2008), A nuvem candidata à presidência (2010) Contos inefáveis (2012), A negra labareda da alegria (2013), Matusalém de Flores (2014), Quarenta e nove casidas e um amor desabitado (2016) e A explosão (2019). São títulos publicados por renomadas casas editoriais do Brasil.
"Carlos Nejar pertence à coleção Melhores Poemas, da editora Global, com intuitiva escolha e apresentação de Léo Gilson Ribeiro (1929–2007), uma obra-prima da poética desse país.
"É membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), da Academia Brasileira de Filosofia, da Academia Espírito-Santense de Letras, da Academia de Letras de Brasília, do PEN Clube do Brasil e do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo.
"Ganhou o nome de uma rua na cidade de Gravataí (RS). Detentor do Prêmio Nacional de Poesia Jorge de Lima do Instituto Nacional do Livro, do Prêmio Fernando Chinaglia da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro (UBE-RJ), do Prêmio Machado de Assis de Romance, da Biblioteca Nacional, do Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, do Prêmio Luísa Cláudio de Souza do PEN Clube do Brasil, entre outros". (FONTE)

A mim, Nejar chegou só este ano, graças ao convite de um amigo também poeta, Jorge Isah, que o apresentou numa noite de lançamento da sua mais recente obra, “Memórias de outra idade”, na Academia Paulista de Letras. Foi uma noite de grandes personagens presentes da cultura nacional, em que Nejar foi homenageado. Comprei o livro do lançamento daquela noite. Alguns dias depois, Isah, apresentou “Todas as fontes estão em Ti”, um livro lançado no ano de 2000.

“Todas as fontes estão em Ti” é um livro de poemas de apenas 68 páginas, pequeno, eu disse, mas vasto no que comunica: a palavra do poeta respondendo à Palavra do Poeta. Mais do que poemas sacros, mais do que mera estupefação diante do Sagrado, Nejar conversa à luz de “Cantares de Salomão” (ou “Cântico dos Cânticos”). Poesia, portanto, afiando a poesia. Poesia bíblica já tão dada a inúmeras interpretações, porém, Nejar se atém àquela da mais tradicional hermenêutica: “Cantares” é o livro que nos aponta relação do Noivo com sua Noiva, Cristo e sua Igreja.

Nessa perspectiva espiritual, Nejar traz o amado para perto de si. Em versos curtos, rimados e feitos de aliterada musicalidade para serem lidos, recitados, cantados como há muito não vemos na literatura brasileira! Versos que encontram o Sagrado na natureza? Seria mais uma experiência opaca de busca humana, que se enleva pelo inefável, e que também não consegue discernir a Pessoalidade do encontro com o Êxtase? Nada disso! Por isso mesmo, quero dar ao leitor a minha porta de entrada a este poema de Carlos Nejar. Abrirei a porta pela qual passei, mas cabe a você concordar ou não e seguir por esta via que sugiro.

“Todas as fontes estão em Ti” se abre na ânsia de quem sabe muito bem pelo que espera, que é o seu amado. E tudo na natureza serve para anunciar a vinda desse amado: o canto, o tempo, o abraço, o consolo, o lume da própria natureza. Tudo anuncia a vinda do aguardado que nos revela a única chave hermenêutica possível à experiência do Sagrado: Cristo, Senhor! É com Ele que o poeta afina “as esperas, os trincos/ da alma. Vão-se abrindo”. Mas na experiência poética do amor, na pressa, no desejo da paixão, a entrega questiona os ritos, pois a busca realizada não é religiosa, sistemática, racional ou mesmo repetida e distante. Aqui não há fórmulas, escadas ou salas infindáveis. Não há castelos, mas a natureza é a casa aberta em que o Criador se apresenta. Há a criação! O poeta quer se lançar no céu rio derramado, chama essa que nos chama ao amor de nossa vida.

Após clarear ao leitor, a chave necessária para seus versos — o Cristo, Senhor! — , Nejar nos lembra da condição de cada um de nós, perdidos, doídos nesta noite escura. Mas a Graça se anuncia, pois é nesta noite e dor escura, que o aflito vê a chegada do Amado. A vinda do Amado é, antes de tudo, uma experiência sinérgica nos versos do poeta gaúcho. Ele vê, ouve, escuta a velha eternidade, que agora se apresenta ao aflito. Tudo na criação anuncia ao Criador, ao Amado, a face amorosa do Criador revelada em Cristo, autor desta mesma Criação que, agora, é colocada à disposição da Divindade para se apesentar a nós. Na natureza, sem que nos chegue o Amado, tudo ainda é confuso, mesmo o paraíso e o amor ainda são ruídos. Neste momento, celebra-se a chegada do vento, que banha o rosto e tomba a morte e tudo, enfim, recebe nome, pois o Amado é Senhor de todas as coisas. O moinho mói nossa alma e nos convida ao amor e a ele nos prepara. A uva precisa ser prensada para vir a ser puro vinho!

E o Amado voa! Cavaleiro alado! Agora, o vento nos banha, o coração é novo. O poeta recorda que a busca sempre houve no coração humano, mas só se encontra o que se busca, quando nosso coração é buscado. A natureza celebra a Aliança, o nome do Amado é gorjeado. É nessa morte que, verdadeiramente, somos alegres. Espírito que se derrama e os versos de Nejar testemunham!

Em meu Amado, quero crescer e ser um eterno menino, pois é das crianças o Reino dos céus. E o vento vem, o crescimento é fruto de um tempo com o Amado, tempo em que Ele lança suas sementes e elas, em nós, germinam. No Amado, há sossego. Nesta maravilhosa experiência bucólica, que segue adiante, poema à poema, verso a verso, vamos sendo alfabetizados, para, enfim, constatarmos o revelado: todas as fontes estão em Ti — Jesus é suficiente!

            Fábio Ribas

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