Artigos

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Breve Manual de Aconselhamento Redentivo (XXXIV/2024)

 


“O aconselhamento redentivo é um modelo de aconselhamento bíblico pressuposicional, tanto no sentido de resgate de ideias e teorias sobre a natureza, movimentos internos e comportamentos humanos quanto no sentido de aplicação da redenção a problemas internos e situacionais da pessoa. Isto é, sua validade depende de pressupostos anteriores revelados na Escritura bíblica” — Rev Wadislau Gomes.

No Brasil, finalmente, há um grande desafio posto à mesa: prepararmos a igreja para que nela sejam forjados cristãos conselheiros uns dos outros, que, nada mais é, do que empreendermos o plano bíblico da mutualidade do serviço cristão na área do amor ao próximo. Para que alcancemos esse propósito, porém, há um longo caminho a ser percorrido. Um caminho que, indubitavelmente, passa por um autoexame crítico que cada igreja local deverá fazer. Oque nossos púlpitos têm ensinado? O que temos oferecido em nossas igrejas como modelo de discipulado? Até onde temos ido e com qual propósito no preparo de nossas lideranças no que se refere ao desafio de cuidarmos uns dos outros?

Pensando “dentro de casa”, o modelo de governança presbiteriana têm seus aspectos positivos e negativos, assim como quaisquer um dos outros modelos de governo eclesiástico. Cada modelo oferecerá seus próprios desafios para cada contexto local e denominacional também. Porém, como já disse, quero me ater a minha própria casa. O modelo representativo democrático, assim como vemos que ocorre no modelo do Governo do Brasil, tende a “terceirizar” nossas responsabilidades. Portanto, isso é um problema cultural. O povo vê o Governo Brasileiro como responsável por tudo, até mesmo por suas próprias responsabilidades. O Estado deve cuidar da vida de cada cidadão garantindo a saúde, educação, segurança etc. Este traço cultural é um ranço trazido para dentro de nossas igrejas locais. A “obrigação” do pastoreio, do cuidado espiritual é compreendida como exclusividade dos pastores e, quando muito, dos presbíteros também, afinal, “eles foram eleitos para isso”. Assim, o primeiro grande desafio para a instauração de um novo paradigma é a quebra de um paradigma anterior. Somente uma nova cultura poderá tomar o espaço de outra. 

Afinal, quem cuida de quem? Se dissermos que “todos” cuidam de todos, sabemos que essa é uma resposta que nos levará a um resultado “zero”. Toda igreja local precisa enfrentar a questão de que, antes de tudo, falamos de realidades espirituais e que essas se manifestam na maturidade de cada um dos nossos irmãos. Daí, as perguntas no primeiro parágrafo deste texto. Vou acrescentar mais uma: o que seria uma “igreja conselheira”? Como nos instiga o Rev Jônatas Abdias: “Afinal, do que o conselheiro bíblico fala, senão daquilo que se encontra na Bíblia?”. Óbvio? Contudo, o que talvez não esteja tão claro é que o autor do “Breve manual de Aconselhamento Redentivo” está mostrando ao seu leitor é que o aconselhamento é uma questão espiritual e não meramente de “formação acadêmica” ou “conhecimento de conteúdo”. Uma vez compreendido isso, podemos retornar ao enfrentamento do que caracteriza uma igreja conselheira (uma cultura de aconselhamento local). E o que é? Maturidade espiritual! Em outras palavras, a igreja carece de homens e mulheres maduros na caminhada cristã. Este, enfim, é o maior desafio quando nos engajamos na cultura bíblica do aconselhamento. Precisamos orar para que Deus nos dê líderes e irmãos maduros na fé, com os quais enfrentaremos nossa cultura individualista, negligenciadora e terceirizada.

“Aconselhar é, muitas vezes, ajudar a pessoa aconselhada a enxergar a vida por outro ângulo. Não podemos atuar sobre os olhos da pessoa, mas podemos apontar para a perspectiva que muda tudo: a perspectiva divina revelada na Palavra. Usamos as nossas palavras para esclarecer a Palavra de Deus e, assim, apontamos para o Redentor — sendo que dele vem a solução tão desejada. É isto que nos faz redentivos: habitarmos juntos na mesma compreensão, na mesma perspectiva”.

O apelo do aconselhamento é, antes de tudo, pastoral, mas, certamente, apologético também. Pois, como bem nos lembra o Rev Abdias: “Aconselhamento não é só confrontação, mas devemos estar preparados para trazer todo pensamento cativo à Jesus”. O que eu acho mais fascinante neste desafio da implementação de uma cultura de aconselhamento em nossas igrejas locais é que isso exigirá um esforço de crescimento espiritual e — no meu entendimento — isto terá consequências no campo missionário. Já escrevi sobre isso e deixo aqui: “Aconselhamento Intercultural e a Missão da Igreja”.

De maneira muito prática e desafiadora, o Rev Abdias nos oferece 5 princípios para guiarmos nossa conversa com nosso aconselhado lembrando que “mudar não é fácil. E pode realmente ser doloroso o processo da mudança, mas, enquanto mudamos, Deus nos consola. E somos consolados para consolar”.

Resgatar nossas igrejas da mentalidade mundana de “cada um por si e Deus por todos” será doloroso, pois perceberemos que, assim como ocorre com muitos que buscam uma “faculdade de psicologia”, o interesse daquele membro da igreja pode ter começado apenas para “se entender” e “resolver os próprios problemas e traumas vividos”. Em outras palavras, no atual modismo de “aconselhamento”, vemos muitas pessoas em busca de se resolverem a si mesmas e quase sem interesse em relação ao outro, ao próximo, ao irmão na fé. São desafios que todos nós precisamos ter em mente, para que, de fato, possamos caminhar com o propósito de levarmos a todos nós — Corpo de Cristo — a uma compreensão bíblica e mais acertada sobre os propósitos de Deus para sua igreja local. Estamos aqui, plantados pelo Senhor, para glorificarmos a Ele em meio a um mundo perdido em trevas densas e escuras.

Enfim,

“Há um dom para ser conselheiro? Certamente, não. Até porque todos os cristãos são chamados para se aconselharem mutuamente. Todavia, não é por isso que faríamos o trabalho do Senhor relaxadamente. Precisamos usar nossos dons a serviço do aconselhamento”.

O capítulo mais importante deste breve livro, para mim, foi o último. Pois nele o autor confirma a razão por que encontrei no “Aconselhamento bíblico” a peça que faltava na missiologia de campo. O último capítulo é sobre “comunicação” e o cuidado que temos que ter na maneira como servimos ao aconselhado a Palavra de Deus. Afinal, o que queremos? Queremos ser açougueiros ou cozinheiros? Sempre levei essa questão para o campo, que é a que tange a “contextualização da nossa comunicação”. Calvino costumava trabalhar com a metáfora da “babá”, para mostrar como que o Deus eterno se aproxima do ser humano dando-nos a sua Palavra da mesma forma como uma babá se aproxima de uma criança. Deus decretou nos falar em nossos termos! O último capítulo do livro do Rev Jônatas Abdias é sobre isso. Certamente, levo este capítulo final como leitura obrigatória para oferecer aos meus alunos de comunicação intercultural.

Um livro precioso e de um tema fundamental para plantadores de igreja, uma vez que, como ouvi de alguém certa vez, aquilo que fizermos no processo de plantação de uma igreja será o que ficará no DNA dela. Assim, se queremos “igrejas conselheiras”, precisamos levar aos nossos missionários espalhados mundo afora a mensagem deste livro. 

                    Fábio Ribas


Para um maior aprofundamento sobre o tema do Aconselhamento, deixo abaixo minhas resenhas sobre:

1) Descrições e prescrições;

2) A culpa é do cérebro;

3) Uma nova visão;

4) Conversa cruzada.


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Quem és tu que me lês? És o meu segredo ou sou eu o teu? Clarice Lispector.

Noites Brancas (XXXVIII/2024)

Na ordem cronológica dos romances de Dostoiévski, este é seu quarto livro. Embora haja em pelo menos seus outros dois livros, “Gente Pobre” ...