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segunda-feira, 15 de julho de 2024

Como ler livros (XXVII/2024)


“Como ler livros”, de Mortimer J. Adler e Charles Van Doren, tem como subtítulo “o guia clássico para a leitura inteligente” e foi publicado pela É Realizações Editora.

Gostaria aqui de usar o próprio método deles, de Adler e de Doren, para apresentar o livro deles, então, vamos lá.


Para uma leitura inspecional:

1. Examinando a folha de rosto e o prefácio: Interessante que a capa do livro, suas gravuras, remetem a um mundo “ideal”, talvez uma escola e ensino mais tradicionais ou, combinando com a palavra “clássico” do subtítulo, um tempo de ensino e aprendizagem melhores e mais elegantes. Um tempo remoto e perdido para as novas gerações. Uma escola que já não exista mais. O aluno com dúvidas e dificuldades e o professor à mesa ensinando esse jovem. O prefácio me abre o gosto e o desejo, porque foi escrito pelo professor José Monir Nasser, já falecido. O fato de ter tido o prazer de assistir as aulas dele há muito tempo, abre-me o interesse para esse livro.

2. Examine o sumário: cheio de detalhes, revela um livro dividido em 4 partes. A primeira parte tratará das dimensões da leitura, seus níveis, a leitura elementar, inspecional e a leitura exigente. A segunda parte seguirá para o terceiro nível de leitura, a analítica. Aqui, aprenderemos sobre a importância da classificação de um livro, como radiografá-lo, compreender as palavras e os termos usados pelo autor e seus sentidos. Adler trará também sobre como devemos criticar um livro e como devemos concordar e discordar do autor. E também veremos o uso de materiais de apoio. A terceira parte se dedicará às diferentes leituras que devemos ter diante de diferentes assuntos: livros práticos, de ficção, narrativas, peças de teatro, poemas, como ler livros de história, ciências, matemática, filosofia e ciências sociais. Na última parte, “Os fins últimos da leitura”, entraremos no assunto da leitura sinóptica, que é aquela que aborda um mesmo assunto em vários autores e fontes diferentes. Esta última parte terá também uma lista de leituras recomendadas e exercícios e testes para cada um dos 4 níveis de leitura.

3. Consulte o índice remissivo: um livro sobre “como ler” logo leva meus olhos a procurarem no índice remissivo por “Eco, Umberto”. Todavia, a primeira edição do livro de Adler parece ser de 1940, portanto, compreende-se a ausência de Umberto Eco, ainda que haja outras edições em 1967 e 1972 (e o próprio Adler viveu até 2001). No índice remissivo há Aristóteles, Agostinho, Dante Alighieri entre tantos outros que não poderiam mesmo faltar.

4. Leia contracapa e sobrecapa: as “orelhas do livro" trazem informações sobre Adler e Van Doren, além de mostrar que o livro em questão faz parte de uma coleção da Editora É Realizações, “Coleção Educação Clássica”. A contracapa traz mais uma apresentação da importância do livro de Adler e Doren e tem citações do “The New Yorker” e um trecho da apresentação do professor José Monir Nasser.

5. Examine os capítulos que lhe pareçam centrais para o argumento do autor: aqui, corri para ler um pouco mais atentamente a última parte do livro, pois mais me interessava era aquela sobre a leitura sinóptica.

6. Folheie o livro: estamos no nível da leitura inspecional, então, devemos "passar os olhos" pelas páginas do livro e ler algumas páginas do que julgamos ser mais central para a apresentação da ideia do autor.


Para uma leitura exigente, há quatro perguntas centrais:

1) O livro fala sobre o quê? O livro é sobre como podemos e devemos aprimorar nossa leitura, para isso o autor defenderá que há quatro níveis diferentes de leitura e cada qual exigirá um método, um passo a passo que ele compartilhará conosco. Além de níveis de leitura, os próprios textos em si exigem posturas diferentes do leitor. Por exemplo, não devemos ler livros de ficção com a mesma abordagem que temos ao ler livros científicos. Para mim, o capítulo essencial é o da leitura sinóptica.

2) O que exatamente está sendo dito, e como? Se não aprendermos a ler de uma maneira melhor, terminaremos perdendo um tempo precioso. Ler bem, o autor defenderá, é uma arte e como tal exigirá treino, método e dedicação.

3) O livro é verdadeiro, em todo ou em parte? O livro de Adler é verdadeiro no todo, embora eu, como “macaco velho”, tenha grande dificuldade em acatar métodos e regras na altura do campeonato da minha vida. Adler fala sobre isso: ele diz que é mais fácil aprender a esquiar quando jovem do que depois de velho. Por isso, acredito que este livro deva ser trabalhado na escola, ainda antes da passagem para o Ensino Médio.

4) E daí? Eu concordo com as ideias do livro. Acredito que ler, ler bem, seja uma arte e que precisamos também ensinar isso às crianças. Num país de poucos leitores e de leitores de pouca qualidade é importantíssimo saber que podemos e devemos mudar essa nossa triste realidade.

Pense num livro que eu sofri muito em ler! Pode tentar imaginar? Horrível! Depois dessa leitura, nunca, mas NUNCA MAIS mesmo, irei pegar livros em biblioteca. Só o fiz, porque o livro era caro, mas me arrependi terrivelmente! Coisa tenebrosa é ler um livro e não poder escrever nele, rabiscar, sublinhar etc. Aí, pior ainda, é encontrar no livro que você não pode sublinhar uma orientação de como você deve sublinhar os livros que lê! Para mim, é fundamental sublinhar, escrever e reagir durante a leitura. Como não podia fazer isso com o livro de Adler e Doren, acabou que a regra 6 (mais abaixo) ficou prejudicada. Agora tive a certeza de que preciso me virar para comprar livros de papel e kindle, pois ambos permitem que você interaja com eles, neles!


Para uma leitura analítica:

Regra 1. Você tem que saber qual tipo de livro está lendo e deve saber o mais cedo possível, antes de começar a lê-lo, de preferência: “Como ler livros” é um livro expositivo, porque transmite conhecimento. Não é um livro ficcional. É um livro prático, pois ensina como ler livros.

Regra 2. Expresse a unidade do livro em uma única frase, ou no máximo em algumas poucas frases: o livro de Adler e Van Doren é sobre como podemos aprender a arte de ler livros tirando o melhor proveito disso para o nosso crescimento intelectual.

Regra 3. Exponha as partes principais do livro e mostre como elas estão ordenadas em relação ao todo, ordenando-as umas às outras e à unidade do todo: “Como ler livros” é uma obra que apresenta de maneira ascendente a arte de ler, sendo assim, ele parte da importância da alfabetização como o nível mais básico e mostra como que, ainda que já sejamos alfabetizados, podemos ler, infelizmente, sem a mínima compreensão devida. Como se mostra isto de ler com maior profundidade e aproveitamento? Mostrando que, para além da alfabetização, capítulo a capítulo, devemos tomar posse do livro, seu autor e mensagem. O autor cumpre isso da seguinte maneira: primeiro , devemos nos aproximar com uma leitura inspecional, depois uma leitura exigente, seguirmos para uma leitura analítica até que, enfim, consigamos ler ou “linkar” o assunto lido a outras obras que tratam daquele mesmo assunto.

Regra 4. Descubra quais foram os problemas do autor: O problema que o livro de Adler e Van Doren quer resolver é: É possível fazer do leitor um leitor melhor? É possível despertar, aprimorar e fazer do leitor alguém que saia da leitura de um livro dominando-o realmente?

Regra 5. Encontre as palavras importantes e, por meio delas, entre em acordo com o autor: “leitura”; arte”; níveis”; hábito”; “mensagem”; “comunicação”, “crescimento”. Eu diria mesmo que todas essas palavras se encontram no mesmo “campo semântico”. Elas estão unidas por um mesmo tecido argumentativo e isso facilita discernimos com muita precisão o sentido que os autores estão dando a elas. A própria palavra “leitura” não se reduz ao mero ato de ler. Pelo contrário, “leitura” tem o sentido de inteligibilidade no livro. Para desenvolvermos essa inteligibilidade é preciso “arte”, que é usada no sentido de esforço, método, disciplina e mesmo “hábito”.

Regra 6. Marque as frases mais importantes do livro e descubra as proposições que elas contêm:

A) “Não precisamos saber tudo sobre determinada coisa para que possamos entendê-la”:

B) “…temos que reconhecer que há vários tipos de escritores…”

C) “Imagine-se como um detetive em busca de pistas sobre os temas e ideias gerais do livro, alerta a tudo que lhe trouxer esclarecimento a esse respeito”

D) “…triste é ver gente que sabe distinguir entre proveito e prazer — entre entendimento, por um lado, e entretenimento ou vã curiosidade, por outro — , mas não sabe elaborar um plano de leitura”.

E) “…há diferenças na arte de ensinar em diferentes campos de conhecimento, também há diferenças na arte de ser ensinado”.

Regra 07. Localize ou formule os argumentos básicos do livro com base nas conexões entre frases: “Talvez saibamos “ler”, mas uma leitura sem dedicação, organização, método e esforço não nos alçará a uma vida intelectual plena”.

Regra 8. Quais são as soluções do autor: Diante de um leitor que não discerne entre a leitura prazerosa e a leitura de conhecimento é preciso desenvolver a habilidade de ler com o máximo de proveito possível, para isso os autores apresentam a solução de uma técnica de avançar nos níveis de leitura, enquanto seguimos as regras que eles apresentam para uma leitura atenta e substancial.

Regra 09. Você tem de dizer com razoável grau de certeza “eu entendo” antes que possa dizer “concordo” ou “discordo” ou “suspendo o julgamento”: esta regra vale para a vida! Em todas as áreas da comunicação. Quanto ao livro de Adler e Van Doren, sim, eu entendo e, por isso mesmo, posso dizer que concordo.

Regra 10. Quando discordar, faça-o de maneira sensata, sem gerar disputas ou discussões: outra regra para a vida! Difícil é obedecer, sou muito impetuoso, mas hoje sou mais tranquilo do que já fui no passado.

Regra 11. Respeite a diferença entre conhecimento e opinião fornecendo razões para quaisquer julgamentos críticos que fizer: mais uma regra para a vida! Embasamento é tudo! E como nos falta, principalmente porque muitos não leem e há mais opinião no mercado do que conhecimento de fato. Os autores do livro demonstram conhecimento e nos dão argumentos para concordarmos com aquilo que estão apontando para nós. Assim, posso dizer que o livro foi escrito por quem sabe o que está dizendo, tem informação sobre o que está tratando. Muito bem informado, o livro concatena as ideias com lógica levando-nos das premissas até a conclusão. Caso, neste ponto, haja discordância com o autor, é preciso mostrar suas razões para discordar.

Agora, nas páginas 188–189, que fantástico aquilo que ele diz sobre como podemos encarar as palavras: “palavras são coisas físicas”, palavras são partes do discurso”, “palavras são signos” e, por fim, “palavras são convenções”.

Um livro instigante, mas que eu gostaria de ter lido “lá atrás”. Eu fui muito mal iniciado no mundo da leitura. Essa leitura que a escola passa (pelo menos, na minha época) era de desanimar qualquer aspirante a leitor. O livro de Adler e Doren trata de “projeto de leitura” (há, até mesmo, uma lista de livros para se ler, clássicos). Contudo, depois de toda essa leitura de Adler e Van Doren fica muito óbvio para mim que o que precisamos é de pais e professores que tenham um “projeto de ensino para uma leitura de qualidade”. Ler é uma arte, um domínio, uma habilidade que pode e deve ser ensinada. E o quanto antes melhor!

                Fábio Ribas

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