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sábado, 25 de maio de 2024

Gente pobre (XX/2024)


Eles se conheciam pessoalmente antes? Ela esteve doente e ele a visitava em seu apartamento. Mas parou, pois a vizinhança começara a fazer perguntas. Ele espera que ela se reestabeleça por completo, para que, então, eles se encontrem fora do apartamento dela. Ele, Makar, envia vários presentes, mimos, a ela. A origem da pobreza de Bárbara, apresentada no diário, foi em função de dívidas contraídas pelo pai dela. Bárbara tem ótimas recordações de sua infância no interior da Rússia. Contudo, durante a leitura do diário que ela envia a Makar, o leitor descobre a grande mudança ocorrida na vida da personagem principal e, até mesmo, quando já estava em São Petesburgo, seu envolvimento afetuosos com Pokroski. Que cena linda descrita naquele parágrafo, quando Pokrovski se dá conta de que Bárbara já não era mais uma menininha, mas sim uma mulher! A vida Bárbara vai se constituir de inúmeras perdas e dores, assim como a vida de Makar, com quem ela troca correspondências.

Não ficou claro, para mim, se os dois — Bárbara e Makar — se conheciam pessoalmente antes do início dessas cartas. Ou, pelo menos, o quanto os dois se conheciam antes das trocas de cartas. Por causa da doença dela, só bem adiante no livro, eles puderam ter um passeio juntos. Quantos anos teria a Bárbara? O Makar tem uns 47 e a minha impressão é que ela seja uns 20 anos mais nova do que ele! Afinal, o que existia entre os dois? Que tipo de amizade é aquela? Makar sempre dizendo que a amava com afetos paternos e, por sua vez, Bárbara o respeitava como um protetor. O que impediu que houvesse uma relação amorosa entre os dois? A diferença de idade? A pobreza de ambos? Makar era um viúvo…

Às vezes, questões culturais daquele tempo e daquela sociedade, que fogem da minha leitura brasileira e de quase 200 anos depois da sua primeira publicação, fornecessem um quadro não escrito que pudesse explicar algo mais de detalhes que podem estar me escapando. Por isso, talvez, para mim, foi muito difícil imaginar que mundo era este: a pobreza da Rússia do século XIX. Verdadeiramente, um outro mundo. O lugar em que aqueles personagens de Dostoiévski viviam fez-me toda vez pensar no “O cortiço”, de Aluísio Azevedo. Não pelas características da Escola Literária do Naturalismo, mas por uma tentativa minha de imaginar como seria o lugar descrito por Dostoiévski. Todo mundo morando próximo. Eram apartamentos. Todo mundo sabia da vida de todo mundo. Mas o que era, afinal, essa pobreza da Rússia do século XIX? Makar era um funcionário público e, pelo que pude perceber, sua função era o que havia de mais baixo na hierarquia social. Ele era um copista, sem quaisquer perspectivas realistas de ascensão. Para piorar, Makar se envolve com jogos, bebidas, seus vícios. Todavia, uma coisa salta aos olhos, a pobreza do Cortiço revela a miséria de um povo erotizado e animalizado, que é apresentado totalmente descaracterizado de sua humanidade. O Cortiço em que moram possui mais características humanas do que seus indivíduos. “Gente pobre”, de Dostoiévski, é um romance epistolar social que revela gente muito mais digna do que os seres humanos de Aluísio Azevedo. Em outras palavras, o pobre do século XIX, na Rússia, era diametralmente oposto do pobre do século XIX do Brasil retratado em “O Cortiço”. Os pobres de Dostoiévski são respeitadores, cordiais, preocupados com suas reputações e — pasmem! — procuram livros para ler. Eles conversam sobre literatura no livro “Gente pobre”!

Eu não lembrei apenas do “O Cortiço”, mas parece que, intencionalmente, Dostoiévski dialoga com escritores russos contemporâneos a eles, como Gogol e Pushkin, recriando situações e personagens que vemos em textos desses escritores. Escritores que, cada qual a sua maneira, retrataram personagens da população pobre russa. Em determinado momento do livro, vemos Makar se desculpando por sua escrita em suas cartas, dizendo à Bárbara que ele ainda estava tentando achar o seu próprio estilo. Isto me fez lembrar de Orhan Pamuk, que sempre discute muito sobre este tema em seus romances. Isso fez-me pensar também que “Gente pobre” foi o primeiro romance de Dostoiévski. Será que Makar reverbera o própria busca de Dostoiévski por um estilo, um lugar ao sol em meio de grandes obras e escritores russos que já existiam? “Gente pobre” foi publicado quando Dostoiévski tinha apenas 25 anos e a recepção desse livro foi muito positiva. Dostoiévski se encaixava no que fica conhecido como o Realismo russo.

Enfim, gostei muito. Todos os temas que veremos nos grandes romances do autor já se encontram presentes aqui: os dramas pessoais, a pobreza dos personagens, os vícios, a jogatina, as tragédias etc. Quero ler toda a obra em ordem cronológica lançada em português. Seu segundo livro foi “O duplo”.

            Fábio Ribas

quarta-feira, 22 de maio de 2024

Contextualização (XIX/2024)


A verdadeira contextualização do evangelho ocorre na igreja, e não no mundo. Não é obra de homem, mas sim de Deus - Nicholls

O livro “Contextualização — uma teologia do evangelho e cultura”, de Bruce J. Nicholls, foi escrito no ano de 1979, sua primeira edição em português ocorreu em 1983, mas sua edição revisada só surge em 2013. É isso mesmo? Como que uma obra importante como essa para a vida missionária da Igreja demora tanto a ser reapresentada? Talvez porque seja uma obra crítica em relação aos movimentos de contextualização. Vejamos.

A discussão do livro parte de uma constatação que é importante que a igreja tome consciência. O autor escreve que “alguns se preocupam tanto com a preservação da pureza do evangelho e das formulações doutrinárias dele decorrentes que se tornam insensíveis aos padrões de pensamento e comportamento culturais das pessoas às quais proclamam o evangelho”. E continua na sua justificativa afirmando que “alguns não têm tido consciência de que alguns termos, tais como Deus, pecado, encarnação, salvação e céu, provocam impressões na mente do ouvinte diferentes daquelas que produzem na mente do mensageiro”. E é a constatação de fatos como esses que motivou os estudos atuais sobre contextualização. A Igreja não pode esquecer que ela se encontra como uma “tradutora” entre culturas: há uma cultura bíblica (na verdade, a Bíblia apresenta muitas culturas em interação e em conflito), há a cultura do mensageiro, há a cultura do ouvinte, mas, com a globalização, há muito mais culturas se encontrando e se estranhando no campo do que possamos imaginar.

Além disso, a discussão entre o que é a cultura do mensageiro e o que é a cultura do evangelho é sempre recorrente e faz parte da origem dos danos causados por quem não reflete antecipadamente sobre isso. Todavia, na ânsia de se buscar soluções para os erros cometidos na história, muitas vezes, o campo missionário viu a contextualização ser usada como uma ferramenta para se difundir a idolatria, o sincretismo e uma contextualização antropocêntrica, sendo todos extremamente nocivos. Sobre esta mentalidade nociva, a pergunta de Donald McGravran revela-se como exemplo do que estou dizendo aqui: “Por que algumas pessoas resistem ao evangelho mais do que outras?”. É uma pergunta extremamente perigosa, pois dá a entender que a resposta correta é o que fará com que os resistentes se abram à conversão. Talvez um dos maiores problemas do campo missionário é que muitas das estratégias propostas foram e são pensadas em bases teológicas diversas e conflitantes, sejam as do mensageiro no campo transcultural ou até a do autor que aqui escreve. É uma pergunta que parte do “fracasso” medindo-o na resposta ao evangelho apresentado. É possível fazer essa pergunta de uma maneira diferente? Sim. “Por que alguns missionários não se preparam responsavelmente para o desafio do campo transcultural?”, esta é uma pergunta que, por sua vez, não direciona o foco para o sucesso e o fracasso da apresentação do evangelho, medindo-o pelos resultados obtidos. A nova pergunta que proponho é voltada para o missionário como aquele que precisa ser responsável diante de Deus fazendo tudo para a glória dEle, inclusive no que tange o seu preparo bíblico, teológico, missiológico, antropológico e linguístico.

O livro de Nicholls acerta, principalmente, num raio-X dos exageros do movimento de contextualização. Eu concordo com o autor quando ele justifica a contextualização, porque “ há aspectos de cada cultura que não são incompatíveis com o senhorio de Cristo e que, portanto, não precisam ser confrontados nem descartados, mas, pelo contrário, preservados e transformados”. Ou, usando expressões mais apropriadas: aspectos que necessitam ser redirecionados e santificados. Essa distinção na cultura alvo é a primeira barreira que precisa ser enfrentada pelo missionário no campo. Outra barreira que Nicholls apresenta e que eu também vi ocorrer nestes anos de campo é que, muitas vezes, a apresentação do missionário no campo se dá por meio de formas culturais estrangeiras, uma didática estrangeira, um método próprio da cultura do missionário que, sem a menor crítica, é aplicada sobre pessoas que ensinam e aprendem de uma forma diferente daquela do mensageiro. É preciso contextualizar a apresentação do evangelho, para isso, é preciso que o missionário estude a cultura do povo, sua língua e cosmovisão.

É necessário que o mensageiro esteja lá e conviva com os ouvintes. “O chamado a uma sensibilidade maior na comunicação transcultural é um chamado à paciência em compreender as pessoas; à humildade ao seguir a trilha do discipulado e um chamado a se engajar com amor nas realidades da vida cotidiana das pessoas. É ter a mente de Cristo, que renunciou a sua glória e posição, identificou-se com as pessoas em sua humanidade e foi um servo sofredor até a morte”.

Mas o que é cultura? Embora o autor apresente inúmeras definições, ele parte da ideia que cultura é um enredo para a vida e que qualquer comunicação transcultural eficaz deve levar em conta esse enredo, que é um macrocosmo do homem espiritual, diz Nicholls. A comunicação transcultural “envolve a totalidade do ser humano no contexto da cultura”.

Em relação a Nicholls, tive dificuldade com seu conceito de “supracultural” para designar realidades de âmbito espiritual, que teriam sua origem fora da cultura humana. Além de ser uma ideia equivocada tratar a realidade espiritual como um elemento “de fora” (embora o Evangelho seja supracultural, mas ele não é apenas isso), ao meu ver, toda a cultura é regida, sustentada e refletida a partir da sua própria espiritualidade. Para mim, toda cultura é religiosa e arraigadamente espiritual. A reboque desse conceito de “supracultural”, Nicholls apresenta uma estranha ideia de batalha espiritual que, para mim, é puro maniqueísmo: acima de toda cultura há uma batalha entre o bem e o mal, entre o Reino de Deus e o Reino de Satanás. Usar estas lentes é devastador para um trabalho missionário. Então, neste ponto, que é um ponto importante para Nicholls, eu discordo. Não posso ver as culturas humanas como peças num tabuleiro de xadrez em que os oponentes que as disputam são Deus e o diabo. O mundo não é uma “arena de batalha entre o reino de Deus e o reino de Satanás”, mas, antes, Satanás não tem mais reino algum, ele foi derrotado e a missão da igreja é anunciar que na cruz o diabo já foi destronado, derrotado, julgado, condenado e que a história da Igreja é o anúncio da chegada do Reino de Deus! Por isso, o Reino de Deus avança na proclamação da Igreja e isso, evidentemente, suscitará a reação do inimigo derrotado, mas ainda não eternamente encarcerado com todos os seus anjos e seguidores.

Nicholls acerta em cheio quando afirma que “a Palavra de Deus muda a direção da cultura e a transforma” e que é na Igreja plantada no meio do povo que devemos esperar as mudanças culturais: “onde Cristo é verdadeiramente Senhor de sua igreja o enredo cultural para a vida de seus membros será diferente do enredo da comunidade mais ampla”. As igrejas locais, independente de quaisquer culturas em que estejam inseridas no mundo, devem refletir tanto a universalidade do evangelho quanto a particularidade do ambiente humano.

O estilo de vida da igreja cristã da Índia, por exemplo, terá qualidades características que serão semelhantes às qualidades de uma igreja cristã de qualquer outro país. Ela manifestará o fruto do Espírito e, ao mesmo tempo, será uma igreja verdadeiramente indiana liberta da cosmovisão, dos valores e dos costumes do hinduísmo que são contrários ao evangelho — Nicholls

Concordo com Nicholls quando ele afirma que “a Bíblia reconhece a prioridade do indivíduo, mas faz do grupo social — a família — a unidade básica da sociedade”. Na nossa relação com as culturas devemos levar em consideração que o evangelho é uma chamada ao relacionamento com Deus e com a Igreja de pessoas que não eram povo e nem filhos de Deus. Há uma dimensão estética nas culturas e o missionário deve estar atento a isso, uma vez que fomos criados à Imagem de Deus e ele deu aos homens o dom criativo.

Todavia, um outro ponto polêmico em Nicholls é um resquício de “fator melquisedeque” (leia aqui) na sua antropologia missionária, não apresentando as distorções que encontramos nas culturas como “pré-preparativos” para ouvir e receber o evangelho. O erro aqui é termos nas culturas “analogias salvíficas” que seriam o “evangelho em gestação” aguardando apenas o “link” do missionário. A verdade é que o Evangelho é totalmente outra coisa do que se possa ter em quaisquer culturas do mundo. A despeito de termos a semente religiosa e o desejo da espiritualidade em todas as culturas do mundo, e ainda que tenhamos pontos de contato em histórias, mitos e ritos nas culturas ao redor do mundo, nada pode ser uma preparação para aquilo que é totalmente inédito, uma vez que vem de Deus e é supracultural, o Evangelho é Jesus! Assim, nesse sentido, o Espírito Santo não está nas culturas preparando os homens para receber o evangelho, até mesmo — e isso precisa ficar muito claro — o evangelho não está lá, a ordem da salvação não é essa. Os homens estão totalmente perdidos e jamais chegarão ao verdadeiro conhecimento de Deus, o Deus bíblico. Entretanto, os eleitos receberão a palavra do missionário — a apresentação do evangelho — e, aí sim, o papel do Espírito Santo é convencer os eleitos da verdade, da justiça e do juízo, a partir da Palavra que foi proclamada a eles. Então, salvífica e especialmente, Deus não está agindo nas culturas fora da Igreja missionária. A chegada da Igreja missionária numa cultura é a chegada do Reino, tanto para a salvação dos eleitos como para a condenação dos rebeldes.

Uma outra palavra que eu não gostei no livro é “indigenização”, para se referir a igrejas que são autogovernadas, autossustentáveis e autopropagadoras. Ainda que não queiram que essa palavra nos remeta à palavra “índio”, remete. E não fica nada bom dizer que igrejas asiáticas estão sendo indigenizadas. Que palavrinha ruim! Qual surgiu no lugar? “Contextualização”.

Assim, se no capítulo primeiro fomos apresentados a vários conceitos sobre “cultura”, agora, no segundo capítulo, passamos a ser apresentados aos conceitos de “contextualização”. E é aqui, nesse capítulo, que vemos a contextualização ser usada como cilada para enquadrar os cristãos no trabalho ecumênico e universalista. Um verdadeiro escândalo e desastre. Sob a desculpa de reagir ao imperialismo e ao colonialismo teológico, os contextualizadores fizeram concessões absurdas ao liberalismo e ao marxismo, transformando o trabalho missionário em qualquer outra coisa menos evangelização, ensino e discipulado acerca da obra salvífica de Cristo. Autores como Von Allmen são citados no livro e só revelam a miséria do trabalho infeliz de muitos que usaram a contextualização para alcançar o fim que queriam de rebeldia e revolução:

…o florescimento de uma teologia verdadeiramente africana pressuporá uma situação de tábula rasa, ou seja, o surgimento de uma teologia despida das teologias existentes, especialmente das ocidentais. Ele (Von Allmen) conclama os africanos a terem consciência do valor que a sua cultura tem “em si mesma, e não apenas apenas do seu valor relativo”, para que uma teologia africana verdadeira venha a nascer”— Von Allmen

Seguindo a citação acima, o evangelho passa a ser mais uma história em meio a tantas outras. O ES está agindo em todas as culturas e o evangelho e a igreja são apenas mais uma dessas comunidades de fé no propósito salvífico de Deus. Que desastre tudo isso! E imaginar que encontros e mais encontros de igrejas em todo mundo foram feitos para que esse liberalismo e revolução seguissem adiante. A lista de “pensadores criativos” só tem gente da TMI (Teologia da Missão Integral) e da TL (Teologia da Libertação), que hoje ainda são apresentados em cursos dos mais diversos nomes como, por exemplo, “Teologia contemporânea” e afins. Uma tristeza! Um desastre ao verdadeiro evangelho de Cristo. Uma vergonha!

O trabalho de contextualização foi usado no século XX, e ainda hoje é usado, para espalhar as sementes do liberalismo teológico, do ecumenismo, da revolução marxista e do sincretismo e quais as mentes brilhantes e criativas disso na América Latina? Vou dizer: René Padilha, J. Miguez-Bonino, Gustavo Gutierrez, Orlando Costas, Emílio Castro, Hugo Assmann, Rubem Alves, entre outros. Leia o segundo capítulo deste livro e fique de cabelo em pé com o que fazem sob a égide da “missão da Igreja”. Um antro de heresia! Sinto dizer, mas, muito do trabalho missionário que surgiu sob a bandeira de Lausanne é demoníaco! Por isso, todo cuidado e filtro são poucos, quando se trata de aceitar tudo o que hoje nos vêm sob a alcunha de “missões”. Leia também o meu ebook, lançado na Amazon: “Escritos contrarrevolucionários”.

No capítulo 3, retornamos com a ideia do “pré-entendimento do evangelho”, mas como ponto de contato e não como “prévia preparação”. Todavia, há uma maneira correta de usar o fator cultural para a apresentação do evangelho, assim como há uma maneira incorreta e que leva ao sincretismo. E esse é o assunto abordado nesse terceiro capítulo. E é aqui também, nesse terceiro capítulo, que encontramos a reavaliação de toda essa confusão que vimos muitos teólogos e missionários fazerem com a contextualização. Um capítulo maravilhoso falando sobre como Deus usou a cultura dos judeus para transmitir fielmente a sua Palavra. “Jesus Cristo nasceu judeu, e é uma afronta à soberania divina falar de um Cristo negro ou de um Cristo indiano ou italiano”, acertadamente afirma Nicholls.

Deus, em sua soberania, escolheu a cultura semítica dos hebreus por meio da qual revelou sua Palavra. Se tivesse escolhido uma forma cultural chinesa ou indiana, o conteúdo da Palavra teria sido diferente, visto que mudar radicalmente a forma, que traz consigo uma cosmovisão e um conjunto de valores próprios, é mudar o conteúdo. Do mesmo modo o Deus encarnado assumiu a forma de filho e não de filha. Aqueles que vivem em uma cultura religiosa na qual deusas amorais são adoradas e práticas culturais místicas são associadas à adoração de uma Mãe Divina compreenderão por que Deus não se revelou como uma filha — Nicholls

Ainda que haja uma ou outra discordância com o autor aqui e ali, mas, sem sombra de dúvida, é um livro importantíssimo para a sala de aula em nossos cursos de contextualização e missões. Um livro que abre o véu e mostra tudo, tanto o inferno como o céu da contextualização missionária.

                Fábio Ribas

terça-feira, 14 de maio de 2024

Guerra de Palavras (XVIII/2024)


“Deus fala”! Esta frase simples expressa uma profunda verdade! Deus nos criou à sua imagem e semelhança, Ele fala, então, nós falamos também! Somos os únicos na criação que falamos. Falamos conosco e com o outro, mas também podemos falar com Deus! Todavia, por que não falamos com Deus (ou, quando nos dirigimos a Ele, não sabemos falar como convém? — Rm 8:26–27). Por que usamos a nossa fala para mentir e manipular o nosso próximo? Por que mentimos a nós mesmos falando coisas que sabemos não são verdadeiras? Há um problema profundo em nossa fala!

Paul David Tripp escreve crendo que o Evangelho de Jesus tem poder para transformar nossa comunicação. “Deus fala”! E desperdiçamos nossa oportunidade de nos aproximarmos e conversarmos com Deus! Jesus é a Palavra de Deus: Ele é o Verbo! (Jo 1.1). Toda nossa comunicação depende dAquele que é comunicação desde a eternidade: o Deus Triúno — o Pai, o Filho e o Espírito Santo — o Deus que sempre se comunicou perfeitamente consigo mesmo.

Uma dos pontos altos deste livro é que, após cada capítulo, ele oferece sempre um questionário, um “estudo dirigido”. Os questionários são pessoais, autoexames, para nos enfrentarmos e vermos honestamente como, onde e com quem temos falhado na nossa comunicação.

“Satanás fala”! E de que maneira Satanás fala? 1) Ele introduz uma interpretação errada, questionando a autoridade de Deus; 2) Ele conta uma mentira intencional, levando Adão e Eva a duvidarem do caráter Santo de Deus; 3) Satanás promove a Guerra de Palavras, assim, nós nos levantamos contra o nosso próximo e também contra o próprio Deus! Aqui, fica a questão: nossa comunicação nos leva a espelhar mais a Deus ou mais a Satanás? Se lançamos interpretações erradas, se mentimos e se guerreamos, estamos mais próximos de Satanás do que de Deus. Precisamos nos arrepender e nos refugiarmos na Graça do Deus que perdoa e nos santifica.

“A Palavra encarnada!” — Jesus é a Palavra de Deus! “Na Palavra encontramos esperança quando tudo parece desespero, riquezas quando nos sentimos pobres, poder quando percebemos nossa fraqueza, e governo quando tudo ao nosso redor parece sem controle” (Efésios 1: 15–23). O autor nos conscientiza de que precisamos de algo mais profundo que técnica, talento e conhecimento para resolver a raiz de nossos problemas de comunicação. Ninguém precisou nos ensinar a usar a nossa fala para o mal. Desde crianças — e há um momento em que o autor nos diz isso observando uma discussão entre seus dois filhos pequenos -, discutimos e brigamos e, mais do que isso, machucamos o outro com palavras. Temos um talento natural — de uma natureza totalmente depravada — de usar nossas palavras, desde a infância, para alcançar exatamente o que nossos corações irados desejam, lembra-nos Tripp. Somos seres profundamente egoístas e interessados em nós mesmos. Apenas! Quando queremos que “o universo conspire a nosso favor”, faremos e falaremos tudo o que for necessário para acuar Deus e os homens. Precisamos ser tratados e curados deste nosso coração feiticeiro. Mas como Deus trata nosso coração que usa as palavras para a manipulação do outro e de Deus e para submeter o mundo a nosso serviço? Deus, o grande orador, deu-nos a Palavra dEle para curar nossas palavras doentes. Só Jesus, a Palavra encarnada, pode restaurar a nossa fala para a glória de Deus! 

“O Deus que criou a fala e pela fala trouxe o mundo à existência, o Deus que usou palavras humanas para se revelar ao seu povo ao longo das eras, vem ao seu mundo como a Palavra, para pessoas que o abandonaram. Ele não é apenas um orador da verdade, Ele É a verdade, e somente nele há alguma esperança para nós. Somente na Palavra encontramos esperança para ganhar a guerra de palavras e falar novamente de acordo com o exemplo e o projeto do nosso Criador. A Palavra se encarnou porque não havia outro jeito de consertar o que está quebrado em nós”.

Nossa única esperança é Jesus. Jesus é a única esperança inclusive para os outros ou, sendo mais claro, eu preciso de Jesus para proteger as pessoas de mim! Já parou pensar assim? Que só Jesus pode proteger os outros de serem magoados, manipulados e dominados por nós? Enfim, o ponto mais importante aqui é o fato de que devemos reconhecer que estamos errados, ver em que estamos errados e, então, usar o poder de Deus — seu Espírito Santo em nós — para nossa transformação. O governo não é do acaso, nem meu, nem do Estado. O governo é do Rei Jesus. Que ele controle nossa fala para o serviço dele.

“Eu sou meu ídolo” e “Eu preciso de Jesus para proteger as pessoas de mim”! Assim, como consequência dessas duas verdades expressas por essas frases, nada mais natural do que o autor me tomar pela mão e fazer-me reconhecer que minhas palavras são palavras idólatras. 

“Os problemas com palavras revelam problemas do coração. As pessoas e as situações ao nosso redor não nos forçam a dizer o que dizemos; elas são apenas a ocasião para os nossos corações se revelarem em palavras”. 

A questão toda aqui que subjaz é poder. Quem tem poder sobre meu coração? Eu ou Deus?

“Jesus é o Rei”! Mas o que é ser Soberano? Falamos muito sobre a soberania de Deus, mas não conseguimos viver sob essa soberania nos detalhes da nossa vida. Decididamente, a minha conclusão é: uma boa teologia, bíblica, verdadeiramente crida e vivida de modo apaixonado, é a chave de tudo! O Rei quer nos levar a vivermos nossa “alta vocação”: usarmos nossas palavras para a glória dEle e para a edificação do nosso próximo!

“Por trás das circunstâncias há um Deus de amor que está trabalhando implacavelmente para nos tornar santos. O louvor que brota de corações de adoração é a única reação legítima a essas circunstâncias. Em vez de nos informar que Deus esqueceu de nós, as circunstâncias de nossa vida bradam que ele lembrou de nós e não nos deixará até que sua obra esteja completa! A compreensão real dessa verdade irá alterar muito o modo como falamos”.

“Seguindo o Rei pelos motivos errados” — você segue a Cristo por qual razão? Você tem fome de quê? Do pão físico ou do pão que Cristo (o da Bíblia) dá? Se temos fome de nossas necessidades, quando vermos que o pão que Jesus tem a nos oferecer é diferente do que esperávamos, faremos como as multidões e discípulos que abandonaram a Cristo? Ou reagiremos indignados de pedras na mão para atiramos em Jesus, por Deus não estar nos atendendo segundo a nossa vontade? Isto é sério e profundo.

“Falando em nome do Rei” resgata para a discussão o fato de que somos embaixadores de Cristo. Mas o que significa isso? Somos os olhos, ouvidos e boca do Senhor Jesus! Somos representantes do Rei onde quer que Ele nos tenha plantado. Temos uma mensagem — que é nossa missão. Mas não é só isso: “como”, isto é, o modo, a maneira, o método importa sim! Como falamos, nossas conversas, precisam espelhar a mensagem que trazemos. O fim disso, como representantes que encarnam a Cristo na terra, é que precisamos seguir o caráter de Jesus e não sucumbir às propostas fáceis do mundo e de nossa carne. Não é natural que oremos pelos nossos inimigos e que paguemos o mal que nos fazem com bem, portanto, precisamos confessar nossos pecados e também esta tentativa de representar a Cristo pela força do nosso braço. Não adianta! Ou dependemos totalmente do ES ou sempre nos veremos fracassados e sem crescimento espiritual. O livro nos confronta com a cosmovisão do evangelho: os sofrimentos e as perseguições que passamos são planejados por Deus com dois objetivos, a saber, tratar o nosso coração e dar testemunho aos nossos oponentes de que podemos resolver nossas diferenças no amor de Cristo!

“Chegando ao destino” apresentará atitudes que precisamos tomar na nossa vida: não ceder ao remorso, apossar-se da esperança do evangelho, examinar nosso fruto (“qual o fruto que tem sido produzido por sua comunicação?”), descubra suas raízes (pare de culpar sua família pelo mal que você produz hoje), busque perdão, ofereça livremente perdão, mude as regras (acerte com seu cônjuge que, toda vez que sua comunicação sair da linha, ele ou você tem o direito de erguer a mão e dizer que não foi assim que vcs combinaram), busque oportunidades redentoras para suas comunicações (exerça a sua alta vocação, que é glorificar a Deus e edificar o seu irmão com sua fala), escolha suas palavras, confesse suas fraquezas, e não dê oportunidade ao diabo.

“Cidadãos precisando de ajuda” — a Bíblia, principalmente o Novo Testamento, é insistente na palavra “mutualidade”. É imprescindível que a Igreja se ajude uns aos outros. A Guerra de Palavras, a vitória contra a minha fala ímpia, depende exclusivamente da ação do Espírito Santo na minha santificação. Contudo, quem me ajudará a lembrar sobre as promessas feitas por Deus na Palavra? A Igreja. A Igreja é, portanto, o lugar de confronto por excelência. Não sabemos como confrontar e isso tem destruído a vida de muitas pessoas. O que vemos por aí é o desejo de controlar, humilhar, manipular e se vingar — e, terrivelmente, isso tem sido a maneira como as pessoas confrontam. Mas para que serve o confronto? Para chamar o outro ao arrependimento e resgatá-lo para uma vida restaurada em que ele retorne ao projeto de adoração a Deus! Aquele que confronta não é melhor que o confrontado, pois ele só está nessa posição atualmente pela graça de Deus. Deus está nos chamando para ajudar os outros. “Somos auxiliadores precisando de auxílio!”. É o nosso chamado de todo dia — um chamado para todos na Igreja. “Sua visão (a de Deus) é nada além do que todos ministrando todos os dias”! Confronto é levar o outro à confissão dos pecados, ao arrependimento, mas também à perseverança e ao encorajamento à fidelidade até a vitória final.

“Na missão do Rei” — Qual a missão do Rei em que precisamos estar sintonizados e prontos a anunciá-la? A missão da reconciliação!

Ora, tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, a saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação. De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus — II Cor 5: 18–20.

Por isso, precisamos pensar de maneira redentora quanto aos relacionamentos que Deus têm trazido para nós. Deus quer nos usar em sua missão reconciliadora na vida dos outros!

“A única esperança para a nossa história é que podemos ser parte da história de redenção dEle. O único modo correto de abordar os eventos em nossas vidas é abordá-los de maneira redentora”.

“Primeiro o que é primário” — e o que é primário? O arrependimento! O verdadeiro arrependimento transforma o coração e transforma a vida. O nosso Deus oferece perdão, libertação, restauração, reconciliação, sabedoria e misericórdia. O primeiro passo para o arrependimento é aceitarmos humildemente o que a Bíblia diz sobre nós e ela diz que somos profundamente pecadores. Precisamos nos olhar no espelho da Palavra. Precisamos orar pelo fruto do ES em nós. Se queremos mudança em nossas vidas, precisamos lembrar quem somos, pecadores, e lembrar de quem Deus é do seu perdão.

“Vencendo a guerra de palavras” — O autor nos relembra que não estamos falando sobre vocabulário e nem técnicas, mas do controle dos nossos corações: precisamos “nos submeter ao Rei, descansar em seu controle amoroso e buscar representá-lo em nossos relacionamentos”. O ministério missionário não é um aspecto da nossa vida, mas um estilo de vida. Se queremos vencer essa guerra precisamos confessar que temos corações egoístas e perambulantes e nos comprometer com um novo modo de falar. Assim, o primeiro ponto é sabermos que palavras importam e elas podem ferir as pessoas. Aqui, o estudo é do texto de Gálatas 5. 13–6.2. 1. Vencer a guerra envolve o poder destrutivo das palavras; 2. Vencer a guerra significa afirmar a nossa liberdade em Cristo; 3. Vencer a guerra significa dizer não à nossa natureza pecaminosa; 4. Vencer a guerra significa falar para servir aos outros em amor; 5. Vencer a guerra significa falar de acordo com o Espírito Santo; 6. Vencer a guerra significa falar com um objetivo de restauração. Ele explica que vencer é uma jornada! Precisamos uns dos outros para alcançarmos esta vitória. Precisamos da Igreja!

“Escolhendo suas palavras” — o papel da Luella, esposa de Paul David Tripp, por todo o livro, fez-me lembrar de certa pregação do Rev Wadislau Martins Gomes, pregação ouvida entre 1995 e 1996, em que ele nos dizia, a partir do texto criacional de gênesis, sobre a diferença do papel do homem e da mulher como seres criados complementares. Lembro-me do Rev Wadislau falando sobre o papel da esposa, que é trazer o homem ao relacionamento com outros e não só consigo mesma. A liderança masculina, uma vez contaminada pelo pecado, tende a nos levar adiante, não ouvirmos conselhos, não querermos ser pastoreados, não darmos o braço a torcer, não nos arrependermos e voltar atrás. Assim, a mulher é chamada a nos fazer olharmos nos olhos dela, concentrar no outro, no ser humano, na relação afetiva. A esposa de Tripp, durante todo o livro, foi a ajudadora, aquela que ponderava, equilibrava e fazia-o “contar até 10”. E só assim iremos escolher sabiamente as palavras que devemos usar. Para isso, uma obra precisa começar primeiramente em nós: 1. precisamos confessar nossas necessidades a Deus; 2. Reconhecer a graça de Deus por mim; 3. precisamos dizer “não!” aos desejos e paixões de nossa natureza pecaminosa; 4. e agradecer a Deus pelo que ele está fazendo em nossas vidas e pela oportunidade de sermos usados para tratar outras vidas também. Enfim, precisamos nos despir do pecado e nos vestir de santidade, sabendo que, em nós, habita o Espírito Santo que luta em nós contra nossa carne e pela nossa santidade. SDG!

            Fábio Ribas

sábado, 11 de maio de 2024

União com Cristo e identidade sexual (XVII/2024)


“Cristo redime. Até mesmo nossas lutas, nossos fracassos e nosso sofrimento são redentores em Cristo. Mas há sangue envolvido. A redenção exige um cortar e lançar fora” (p.19).

Livro apaixonante! Rosaria nos dá novamente seu testemunho de conversão, mas resumidamente. O ponto alto, contudo, é que ela já é cristã de longa caminhada neste segundo livro. Ela agora pode tratar do cristianismo de maneira mais madura. Este livro é muito melhor que o primeiro na minha opinião. Além de ter uma teologia calvinista e saudável, Rosaria usa do seu conhecimento como professora de literatura, para nos falar dos erros de uma hermenêutica pós-moderna sobre a Bíblia. O próprio subtítulo — “Pensamentos adicionais de uma convertida improvável” — já nos indica uma continuação do seu primeiro livro (aqui). Ela fala de salvação e santificação, lembrando-nos que, em Cristo, estamos equipados para lutarmos contra nossos pecados e não cedermos aos nossos desejos caídos.

A tese central é que nossa identidade não está no que fazemos ou no que deixamos de fazer e nem na nossa orientação sexual, mas na nossa união com Cristo e no que Ele já fez e ainda está fazendo por mim. Antes de ser heterossexual, homossexual, ou quaisquer outras coisas que a chamada “orientação sexual” queira definir sobre nós, a verdade é que fomos criados por Deus e Ele nos fez da maneira certa. Assim, precisamos buscar nEle nossa identidade e não numa construção social, na psicologia ou na cultura. Não são os meus desejos ou pecados que devem definir minha identidade, mas Deus é quem sabe quem eu sou. E o que eu sou está definido pelo que Cristo fez por mim e ainda está realizando no meu coração!

“Quer a dor que você enfrenta agora seja a consequência do seu pecado, quer seja do pecado de outros, na providência de Deus e na fé salvadora, Romanos 8.28 ainda reina: “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito”. Não é a ausência de pecado que o torna um cristão. É a presença de Cristo em meio à sua luta que enaltece o cristão e o diferencia no mundo. A conversão real dá-lhe a companhia de Cristo enquanto você caminha pelo vale da sombra da morte. Na verdade, a queda fez tudo cair — incluindo meus desejos mais profundos. E isso aconteceu sob o olhar providencial de Deus, não por suas costas” (p. 21).

Somos chamados a lutar contra o pecado. O pecado que habita em nós, ainda que novas criaturas. Na leitura deste livro, descobri Thomas Watson. Quero ler mais este autor.

Rosaria falará também desta expressão “orientação sexual”. Ela demonstra que o mito da orientação sexual tende a nos fazer reduzidos ao aspecto sexual, aceitando o que Freud disse que, então, o sexo é o impulso que nos definiria. A partir dessa ideia, a autora mostra que termos aceito o termo “homossexualismo” reduziu a discussão exatamente a isto: que nossa identidade se circunscreve à nossa orientação sexual. Afinal, como cristãos, devemos dividir o mundo sexualmente? Nossa identidade não está nem mesmo na nossa heterossexualidade, uma vez que ela também foi atingida pelo pecado. Nossa identidade reside no fato de termos sido criados à imagem de Deus, mas só podemos restaurar plenamente essa identidade em união com Cristo.

Rosaria enfrentará a contradição da expressão “cristão gay”. Ela tentará achar uma resposta para o que quer dizer ser gay. Nesse mesmo capítulo, há uma discussão sensacional sobre comunicação e o poder que as palavras têm tanto para unir como para dividir. A partir de um diálogo com uma amiga, a autora enfrentará o fato do problema da “cura gay” e que, sendo a santificação um dom de Deus, ela pode não ocorrer na velocidade que gostaríamos. Devemos compreender que, ainda que sejamos cristãos redimidos, estamos em santificação, e portanto e por isso mesmo, devemos lutar perseverantemente contra desejos sexuais indevidos.

A autora irá nos desafiar a vivermos em comunidade: em casa, na vizinhança e na Igreja, que é a comunidade pactual. Hospitalidade, na raiz da palavra que a originou em grego, tem a ver com “amor ao estranho”. É um enorme desafio para estes tempos atuais em que idolatramos a privacidade e tememos os estranhos (que podem ser psicopatas e, talvez, só chatos mesmo).

Seria muito, mas muito difícil resumir a envergadura teológica apresentada neste livro profundo, sincero e bíblico. É preciso lê-lo! Leia agora!

            Fábio Ribas


PS — Uma das questões mais intrigantes durante a leitura de um livro tão acertadamente teológico é um deslize profundo da autora, que só piora quando penso ser este um livro que fala sobre “identidade”. Foi um erro logo sobre a identidade de Cristo. Deixei para falar isso num “postscriptum”, pois o livro é sólido e puritano no melhor sentido e tradição da palavra, mas, na página 116, ela comete um sério erro teológico ao afirmar que “a Igreja Primitiva confirmou que Jesus tinha uma natureza, mas duas vontades”. Procurei e descobri que ela escreveu isso mesmo (está no original em inglês), então, não é um erro de tradução. O livro passou na mão de tanta gente boa, tanto lá nos Estados Unidos como aqui no Brasil, e ninguém fez nenhuma consideração ou uma nota de rodapé corrigindo isso. Veja, tenho para comigo que precisamos todos estar atentos não apenas ao nosso pecado, mas também ao mundo espiritual, pois não deixa de ser uma ironia que um livro que busca resgatar nossa identidade em Cristo cometa um erro tão grave acerca da identidade do próprio Jesus.

Foi um deslize, sem dúvida, uma vez que, mais adiante, ela se refere às duas naturezas de Cristo. Contudo, espero que seja corrigido em próximas edições.

sexta-feira, 10 de maio de 2024

Pensamentos secretos de uma convertida improvável (XVI/2024)


“Pensamentos secretos de uma convertida improvável” é um livro que me levou, diversas vezes, de volta ao tempo da minha faculdade em Brasília e, mais precisamente, à época da minha conversão. Não apenas porque o ambiente da história é o mesmo que o meu (Universidade), mas também o ambiente sexual em que andávamos era parecido.

Como os livros que leio me levam a muitas reflexões pessoais, tanto sobre o meu trabalho missionário como sobre minha vida em geral também, não consigo escrever sobre algo sem compartilhar como que aquela leitura me atingiu. Escrevo para não esquecer os diálogos que tive com o livro: o que concordei, o que não concordei, o que mudou dentro de mim e o que vai ser diferente dali para frente. Livros causam isso em mim.

Por que estou escrevendo isto? Porque, seguindo a linha do que disse no parágrafo anterior, escrevi uma resenha (será que posso chamar esses escritos de resenha?) de duas folhas sobre este livro. Contudo, apaguei tudo! Por duas razões. A primeira é que muitas ideias que escrevi e que foram instigadas pela leitura do livro, mesmo que fossem coisas que já vinha pensando há um certo tempo, são reflexões ainda muito cruas. A segunda razão é que me vi escrevendo coisas muito, muito pessoais, e como disse, o ambiente de conversão da autora do livro foi muito semelhante ao meu. Mesmo que eu tenha uma facilidade enorme de escrever sobre minha própria vida (certa vez, alguém me disse isso sobre as coisas que eu escrevo), de repente, me fiz a mesma indagação da Rosária no livro: por que escrever sobre a nossa própria vida?

Escrever sobre nós mesmos é sempre um risco. Quem fala de si se torna vulnerável e se coloca na mão de pessoas estranhas. Mesmo os cristãos são muito estranhos… A autora teve que enfrentar igrejas que a colocaram de lado e que não receberam o marido dela como pastor, por causa da vida pregressa dela. Você acredita nisso? É como se as igrejas recusassem a Zaqueu, por ter sido corrupto, ou a Paulo, por ter sido assassino. Igrejas e pessoas que se dizem cristãs!!!

Hoje já vivi o suficiente no meio evangélico para entender como, infelizmente, o sistema funciona em muitos desses “lugares de Graça”. Eu mesmo ouvi, nestes dias, um líder de uma igreja falar para mim do prejuízo que é quando a igreja local recebe pessoas convertidas “que vêm do mundo”. Isso mesmo que você está lendo! Na ótica dele, nós que “viemos do mundo” e não fomos criados dentro da Igreja trazemos muitas coisas complicadas para as igrejas locais… Para ele, e ele me disse isso com todas as letras, a igreja deve crescer vegetativamente! "É o mais saudável para ela", concluiu!

Eu queria ter nascido numa família evangélica. Queria ter sido ensinado desde criança no caminho em que deveria andar. Eu tenho uma inveja santa de quem “nunca conheceu o mundo”, sendo abençoado pela educação na igreja. E tenho também um orgulho, orgulho mesmo, das minhas filhas que estão tendo o que eu não tive: elas são da família da Aliança! Sempre digo que, se eu soubesse que a vida com Cristo é que é vida de verdade, eu teria me convertido muito, mas muito antes mesmo! Todavia, obviamente, Deus não quis que fosse assim.

Rosária escreve isso no livro (e hoje eu sei que é verdade), que muitos crentes não querem saber do que Cristo fez por nós, enquanto outros, dentro das igrejas, querem apenas usar desses nossos testemunhos como propaganda para suas denominações, mas não nos querem convivendo entre eles, ali no “templo sagrado”. Por outro lado, há os mercenários adoradores de si mesmos, eu sei, e que buscam holofotes, usando as igrejas como palcos de um circo de horrores para divulgação bizarra de si mesmos. Tudo isso é muito sério e fala muito sobre o tipo de igreja que temos plantado. O que me leva a entender, ainda mais, que não só a esquerda materialista e pragmática precisa ser evangelizada, mas, indubitavelmente, há uma direita religiosa e hipócrita que, de fato, não conhece a Graça de Deus — e esta exposição é um dos pontos altos do livro para mim!

O livro da Rosária me fez pensar muito em muitas coisas. Muitas que não convêm falar sobre elas ainda. Outras que me ajudaram a entender melhor problemas importantes que acontecem no meio missionário, mas, pelo menos por enquanto, também devo guardá-las no meu coração somente. Assim, fica o convite para que você possa ler esse livro desafiador e que o Espírito Santo sopre sobre você como tem soprado sobre mim e sobre a minha família.

                                Fábio Ribas

                   

terça-feira, 7 de maio de 2024

Armas de fogo e legítima defesa (XV/2024)


O prefácio, escrito por Stanley da Silva Braga, Desembargador TJSC Florianópolis, (outono/2016), é surpreendente pelo poder de síntese ao direito à legítima defesa. Mostrando que, desde o Código de Hamurabi, e passando pelos romanos, nossa legislação mantém esse direito. Portanto, 

verifica-se que há mais de dois mil anos torna-se lícito repelir a agressão injusta, atual ou iminente, com a morte do agressor sem ser imputado ao que se defende a condição de homicida, por não se tratar de delinquência defender a própria vida ou a vida de terceiro. 

Uma vez demonstrado que na história esse direito sempre foi garantido, com poucas variações, o autor do prefácio encerra seu golpe final: 

Feitas essas observações iniciais sobre o instituto jurídico da Legítima Defesa impõe acrescentar que não encontramos na legislação brasileira qualquer especificação e/ou limitação sobre os instrumentos a serem utilizados pelo ofendido, quando do exercício legítimo da defesa de interesses próprios ou de terceiros, mediante o uso da força. 

Logo… O que se precisa, e este é o ponto central do livro, é desfazer mitos que impedem que o cidadão de bem usufrua desse direito com liberdade.

Lendo e aprendendo, não vou negar, fiquei surpreso em descobrir esta Portaria Interministerial nº 4226, de 31 de dezembro de 2010, que afirma que os chamados “disparos de advertência” não são considerados prática aceitável, […] em razão da imprevisibilidade de seus efeitos. E a pergunta segue: “Quando se é legítimo usar armas de fogo contra pessoas?” Pergunta fundamental. E há duas respostas: em caso de legítima defesa e em estado de guerra. Mas, uma vez dito isso, precisamos seguir para a próxima indagação: o que é legítima defesa? 

A legítima defesa, um dos institutos jurídicos melhor elaborados através dos tempos, representa uma forma abreviada de realização da justiça penal e da sua sumária execução. Afirma-se que a legítima defesa representa uma verdade imanente à consciência jurídica universal, que paira acima dos códigos, como conquista da civilização — Bittencourt. 
Na realidade, o fundamento da legítima defesa é único, por que se baseia no princípio de que ninguém pode ser obrigado a suportar o injusto. Trata-se de uma situação conflitiva, na qual o sujeito pode agir legitimamente, porque o direito não tem outra forma de garantir o exercício de seus direitos, ou melhor, a proteção de seus bens jurídicos — Zaffaroni. 
[…] quem por uma injusta agressão é colocado na estrita necessidade de se defender, não mostra com isso um caráter pernicioso e, portanto, não deve ser punido, mas pelo contrário, deve ser louvado pela intimidação que sua vigorosa reação pode exercer sobre os mal — intencionados”— Fioretti. 

Outro ponto que eu não sabia: 

…muitos ainda creem que um policial agiria em estrito cumprimento do dever legal ao efetuar disparos contra um agressor. Trata-se de um equívoco recorrente, pois o policial não tem o dever legal de atirar em ninguém. A ele é facultado, como a qualquer pessoa, o direito de defender-se legitimamente caso sofra uma agressão injusta (legítima defesa própria). Já na hipótese de legítima defesa de terceiro, há uma imposição legal que atribui ao policial o dever de agir em defesa desse terceiro injustamente agredido, enquanto para o particular isso é uma opção.

O problema da mídia como o novo tribunal popular que já condena de antemão por meio de seus “especialistas” é um fato tratado no livro. Todavia, mais um questionamento surge neste ponto: Como tratar sobre temas tão importantes como o direito à legítima defesa e o porte de armas numa sociedade cuja imprensa exerce uma pressão e cria narrativas das mais fantasiosas distorcendo fatos? Isto tudo aparece como consequência de uma geração hollywoodiana de séries policiais que é instigada por essa mídia, que vende ao povo a ilusão de que a vida real seria da mesma maneira como eles assistem na série policial da TV ou nos filmes. Vamos, então, aos mitos.

“Mito 01 — “Disparo de advertência”. Interessante que, para mim, era óbvio ser necessário o disparo de advertência (sou fruto de uma doutrinação massiva hollywoodiana que me fez confundir ficção e realidade). Jamais imaginei que haveria uma Portaria que diz que essa ação não é uma prática aceitável! Advertência por advertência, de fato, bastaria uma verbal diante do criminoso. 

“Mito 2 — “Um disparo é o suficiente” (“poder de parada”). Está é outra ideia muito disseminada pelos filmes. O autor demonstra que você só consegue parar alguém com um tiro, na verdade, só no caso dela ser atingida na cabeça ou na coluna. Duas possibilidades muito difíceis, pois exigem do atirador uma precisão enorme. E é uma interessante pensar que a gente vê muito em filme isso. Mas, dependendo de como esteja a pessoa (drogada, por exemplo), ela nem se dá conta do disparo que recebeu e vai continuar avançando contra a vítima. 

“Mito 3 — Double tap”. É o mito que leva a pessoa a tentar dar dois disparos, com o menor tempo entre um e outro, na expectativa de derrubar o seu agressor. Sobre essa questão, seguem as colocações de Oliveira: 

[…] não há nenhuma garantia de que um ou dois disparos sejam suficientes para incapacitar um criminoso. Cada indivíduo responderá de modo particular durante um confronto armado. Alguns irão correr ou cair ao ouvirem o disparo, outros serão incapacitados com um ou dois tiros, e outros simplesmente resistirão mais tempo, não importando a quantidade de ferimentos. Assim, o único indicativo de que a incapacitação talvez tenha tido efeito ocorrerá com a queda do criminoso no chão. O problema está no bandido que consegue resistir aos ferimentos, o que implica a necessidade de continuar atirando. Infelizmente, à medida que a quantidade de tiros aumenta, crescem as chances de morte. Então, a morte do criminoso pode até ocorrer, mas por azar. O fato é que pode ser necessário disparar mais vezes porque o agressor simplesmente pode não cair incapacitado imediatamente. Desse modo, com relação à quantidade necessária de disparos para incapacitar um alvo humano, ressalta-se, não há um número determinado. Devem ser efetuados múltiplos disparos até cessar a agressão.”

“Mito 4 — Deveria ter atirado no braço/perna ou mão”. 

Discute-se bastante no meio policial sobre o uso da força letal na autodefesa, mas uma ideia surge quase universalmente. É o conceito chamado Síndrome do Tiro na Perna. Essa síndrome é expressa pelas opiniões do tipo: Eu não vou atirar para matar, mas vou mirar na perna do bandido!?. ? Precisava matar com três tiros no peito? Por que não atiraram na perna?? […] a crença equivocada daquelas pessoas que sequer estão presentes quando a violência ocorre, mas que não deixam de emitir um parecer baseado em considerações pessoais baseadas em filmes de ação, e não nas circunstâncias que envolvem o horror de um confronto armado real. Assim, o que acontece é que aquele criminoso que momentos antes apontava uma arma engatilhada para uma pessoa honesta, agora que está morto é transformado ? num passe de mágica ? em vítima por aqueles que acreditam que o policial deveria ter atirado na perna. Os papéis se invertem: o bandido vira mocinho, e o policial vira executor. 

Além do citado acima, os defensores dessa ideia sequer percebem que, ainda que se consiga acertar um braço ou uma perna, estas são regiões tão irrigadas de vasos sanguíneos grandes, que podem ser tão fatais quanto um tiro no coração. 

“Mito 5 — Lâminas X armas de fogo”. 

Um agressor armado com uma faca pode percorrer uma distância de pelo menos 21 pés, talvez mais, antes de uma pessoa armada com uma arma de fogo poder reagir, sacar, disparar. Verifica-se essa possibilidade para uma pessoa comum armada com uma faca, não há necessidade de ser um lutador marcial treinado. Portanto, praticamente qualquer pessoa segurando uma faca dentro de 21 pés representa uma ameaça potencialmente letal. […] muitos comentaristas da mídia sabem pouco ou nada sobre armas e táticas. Armas de fogo não são máquinas mágicas de morte. Ou seja, no período de tempo em que um atirador médio saca sua arma e dispara no centro de massa do alvo, um sujeito comum com uma faca pode percorrer uma distância de 21 pés (6,4 metros) e desferir golpes. Importante frisar que Tueller considerou como mínima essa distância e que há outros posicionamentos que relativizam essa realidade, não no sentido de considerar uma distância menor, mas sim no sentido de aumentar essa distância de segurança para, por exemplo, cerca de 30 pés (9,1 metros). Assim, Hontz esclarece que se a arma do policial está no coldre e ele objetiva atingir a massa corporal (grande alvo), o suspeito será capaz de percorrer cerca de 30 pés. Sobre esses dados, MacDaniel instrui que nessas hipóteses parte-se da premissa de que o atirador que será agredido por uma faca já visualizou o instrumento nas mãos do agressor. Logo, o mesmo autor complementa o raciocínio dizendo que na rua, na vida real, você poderia muito provavelmente ser surpreendido e não esperar por isso, o que influenciaria no tempo de reação. No mesmo sentido, Hontz explica que, se a arma não é aparente, não é claro na mente do policial se o suspeito é realmente uma ameaça, ou seja, se ele é surpreendido pelo ataque, os tempos de resposta provavelmente serão mais longos. 

A conclusão que eu chego é que a gente confundiu a vida real com a ficção. Este livro mostra ciência e nos confronta com nossas opiniões leigas hollywoodianas.”

“Mito 6 — “Tiro nas costas ou tiro pelas costas””. Será que todo tiro dado nas costas é execução como a mídia sempre apresenta? As cenas que o autor descreve e a ciência que ele traz para vermos o que ocorre na vida real são suficientes para analisarmos caso a caso responsavelmente, sem nos deixar levar pela imaginação ficcional. O tempo que uma pessoa se vira para fugir é totalmente dentro do tempo que um atirador pode dar o tiro, assim, ainda que ambos, atirador e bandido, estivessem frente à frente, uma vez ameaçado, o bandido pode virar para a fuga e levar um tiro nas costas. Outra cena importante é a do agressor dando disparos enquanto foge. O que, obviamente, o levaria a receber um tiro nas costas. 

“Mito 7 — foi excesso. 

 Ademais, é importante frisar que a pessoa agredida injustamente realizará o número disparos necessários para garantir sua sobrevivência e, nessa dinâmica peculiar, pode sequer perceber que se encerrou a agressão que estava colocando sua vida em risco. Nesse caso, ocorreria o instituto da legítima defesa subjetiva. Sobre o tema, explica Salim que essa espécie de legítima defesa: É o excesso na repulsa de uma agressão decorrente de erro de apreciação fática (art. 20, §1º, 1ª parte, CP). Logo depois de cessada a agressão que justificou a reação (houve legítima defesa real até dado momento), o agente, por erro plenamente justificável, supõe persistir a agressão inicial, e, por isso, acaba excedendo-se em sua reação (repulsa). Nota-se que o estudo do mito em questão (Foi excesso!?) amolda-se a essa modalidade de legítima defesa, pois na legítima defesa subjetiva realmente há uma agressão injusta que posteriormente se encerra sem que o inicialmente agredido perceba o término, continuando, assim, a reação a uma agressão agora inexistente.

“Mito 8 — Nem esperou o agressor atirar primeiro!?”. 

Esperar que alguém seja atingido por um tiro para que só então possa reagir a uma agressão injusta é uma ideia que beira a imbecilidade. Todavia, pelo fato de haver pessoas que acreditam nessa piada de mau gosto, faz-se necessário enfrentar essa lógica irracional.

O que mais me assusta neste último mito é saber que nossas polícias foram coibidas de usarem suas armas antes que o agressor use a sua. Como chegamos a essa situação jurídica, diante de uma ciência tão bem exposta no livro em questão. Só posso concluir que, a despeito da ciência e da lei, vivemos numa cultura contra o cidadão de bem e contra o policial.

            Fábio Ribas

Série armamentista:

1) Armas de fogo - elas não são as culpadas;

 2) Hitler e o desarmamento;

3) Articulando em seguranças.


sábado, 4 de maio de 2024

Crença sem corpo: Levando Olavo ao L'Abri (XIV/2024)


Na apresentação do livro já nos é apontado que o autor falará sobre a paralaxe cognitiva. Esta, por sua vez, é o que aproximaria ambos, Olavo de Carvalho e Francis Schaeffer. A paralaxe cognitiva é o fenômeno da distância entre o que se fala e as ações que, muitas vezes, são contraditórias ao discurso. Uma vez que os leitores de Olavo estão bem familiarizados com esse conceito, faltava explicar que a apologética de Francis Schaeffer, que expunha as inconsistências e incoerências das cosmovisões não cristãs, era, portanto, uma versão dessa paralaxe cognitiva tratada por Olavo. “Enquanto Schaeffer desmascara os efeitos do abandono da veracidade na arte, na música, na cultura, no teatro e na literatura, Carvalho tem embates com adversários que macularam a verdade na esfera político-social”, explica o Dr. Rev José Carlos Piacente Jr em sua apresentação ao livro. Ainda na apresentação, somos situados que a ferramenta apologética que será usada pelo autor, Lúcio Antônio de Oliveira, é a da apologética pressuposicional. Isto é, por estarmos inseridos num universo criacional, Deus está pressuposto. E essa apologética não deve apenas ser usada para o debate, mas também na evangelização e santificação de cada um de nós.

O que é, afinal, a paralaxe cognitiva? O autor do livro irá trazer um excerto de Descartes demonstrando que o filósofo já percebia essa distinção entre aquilo que digo acreditar (especulação teórica) e o que minhas ações, por fim, demonstram dos compromissos do meu coração. Se teoria e prática estão em contradição, temos a paralaxe cognitiva. Assim, à parte do que anuncio crer com a boca, são as minhas atitudes que demonstram a minha cosmovisão. Então, a pergunta deve ser: há conflito entre o que eu digo crer e a vida por que eu vivo a minha crença?

Temos três questões tratadas. A primeira é a própria paralaxe cognitiva, que é um fenômeno que constatamos em indivíduos que não vivem o que apregoam. A segunda é mostrar que, uma vez constatada a paralaxe cognitiva, devemos demonstrar que ela é um “argumentum ad hominem” bom, pois podemos deduzir que se nem a pessoa vive aquilo que ela apregoa, há uma contradição aí, uma fraqueza da tese (da teoria). Para vermos mais claramente, o terceiro passo é levar isso para o “reductio ad absurdum”, que pega a especulação filosófica (a crença e a cosmovisão que a própria pessoa já não da conta de viver) e a leva “às últimas consequências”, demonstrando sua inviabilidade no mundo real. Assim, estamos diante de um método apologético: primeiro, detectar o fenômeno da paralaxe cognitiva; segundo, trazer à consciência do indivíduo sua própria inconsistência e incoerência na própria vida; terceiro, demonstrar a que absurdo chegaríamos se, de fato, aplicássemos sua cosmovisão sobre as pessoas. O que seria essa teoria na prática da vida das pessoas?

Olavo de Carvalho orienta que não estamos disputando em torno de uma doutrina, mas de toda uma cosmovisão. Toda doutrina faz parte de um arcabouço teórico. Precisamos pegar a doutrina e, mesmo que aparentemente ela esteja correta na teoria, é preciso vê-la na prática e tratar também das suas consequências. Neste ponto, Olavo de Carvalho nos dá 3 exemplos: Hobbes, Maquiavel e Marx. Hobbes propala que todos os seres humanos agem pela disputa do poder, ao mesmo tempo que diz escrever sua obra para o bem da humanidade; Maquiavel sentencia que, para a chegada ao poder, é necessário destruir todos os que ajudaram a essa chegada ao poder, esquecendo-se que isso levaria à morte do próprio que se ajudou a chegar no poder; Marx diz que só o proletariado tem a visão correta do mundo e, ao escrever sem nunca ter sido um proletário, como, então, diz que escreve a visão correta do mundo?

Precisamos avaliar duas tentativas históricas de fuga à acusação de paralaxe cognitiva. O autor apresenta Cícero, que diz que não podemos difamar uma doutrina por alguns que não a vivem adequadamente. E apresenta Sêneca que, diante das contradições humanas, diz que o que ele prega é a vida ideal e que nem sempre o filósofo dará conta de seus próprios vícios. Tanto Cícero quanto Sêneca estão justificando o fato de suas doutrinas não serem “vivíveis”. São fugas, argumentos para que sua filosofia não seja acusada do que, hoje em dia, tratamos como paralaxe cognitiva. É evidente que, enquanto lia o livro, pensava o tempo todo no Cristianismo e se ele também não poderia ser acusado de paralaxe cognitiva. Vejamos como o autor irá desfazer essa acusação contra o próprio cristianismo, uma vez que Olavo assume que “nenhum exemplo de fraqueza humana depõe jamais contra a dignidade de uma crença, religiosa ou filosófica, nem atenua o valor da mensagem que aparenta diminuir”. Lucio Antônio de Oliveira também cita CS Lewis que diz que os cristãos receberam esse nome por seguirem a Cristo e, portanto, não podemos atribuir o nome de “cristãos” só aqueles que “tiraram o melhor proveito da instrução apostólica, nem estendê-la aos que, seguindo o sentido refinado, espiritual e interiorizado, estão “muito mais próximos do espírito do espírito de Cristo” do que o menos satisfatório dos discípulos”. Todavia, o que difere os argumentos de Olavo e de CS Lewis dos de Sêneca e Cícero? Também não seriam fugas? Vejamos como Oliveira desatará isso. Lembrando que não estamos falando de hipocrisia, que, isso sim, é outra coisa. Estamos falando de olhar para a fraqueza de um irmão, que não consegue largar os próprios vícios (mas luta contra eles). A pergunta correta, então, para se analisar devidamente essa questão deve ser: um cristão, que não conseguisse largar seus vícios da forma que ele mesmo prega, seria, então, um caso de paralaxe cognitiva, terminando por refutar o próprio cristianismo?

O autor trará como exemplo de paralaxe cognitiva o ceticismo, mostrando que Pascal denunciou que ninguém vive um ceticismo real perfeito. Nenhum cético vive a dúvida extrema. Mas agora eu uso esse mesmo argumento para o seguinte questionamento que aparece na minha mente desde o primeiro momento em que comecei a ler o livro: qual cristão vive um cristianismo real perfeito? E acho perigoso o exemplo do indiano, de Francis Schaeffer, pois e se o indiano tivesse aceitado viver pela sua verdade e acatado o ato de crueldade? Isto faria de sua doutrina uma verdade? Pense nos kamikases da Segunda Guerra Mundial, suas ações tornam a cosmovisão deles uma verdade? Pense também nos cristãos que voltaram atrás na hora de ver seus entes queridos ou a si mesmos mortos em nome da fé, isto torna o cristianismo uma mentira? Esta inconsistência cristã demonstraria que, de fato, esses cristãos não acreditavam mesmo na fé que apregoavam? De qualquer modo, a tese é que devemos expor a paralaxe cognitiva mostrando a impraticabilidade da doutrina, demonstrando a (in)viabilidade de sua práxis. Isto atinge em cheio a cosmovisão da pessoa, tornando-a insustentável. Isto é, tornar a paralaxe consciente ao seu defensor é o ponto. Mas como não fazer o mesmo contra nós?

A modernidade está repleta de teorias inviáveis ou, melhor dizendo, “invivíveis”. Ainda assim, essas teorias são ensinadas nas faculdades e os filósofos se especializam nelas, mas não as trazem à arena da vida real, lugar em que podem e devem ser testadas. Isto mostra que não temos verdadeiramente filósofos, mas historiadores da filosofia, especialistas acadêmicos que não têm a dimensão daquilo na vida real. O que eles trazem em seu interior não tem a menor conexão com o seu exterior e o que há no exterior não se conecta a nada que ele carregue em si. Este é o quadro da nossa modernidade.

A paralaxe cognitiva é inconsciente. Na discussão é que podemos expor a pessoa às ideias que ela propõe, revelando se a pessoa vive de fato o que ela crê e, além disso, testar sua doutrina — o arcabouço — aplicando-o no mundo real até o ponto máximo para vermos se ela é sustentável. Assim como a paralaxe é inconsciente, também é a “cosmovisão”, que é o nosso arcabouço de pressupostos pelos quais vivemos e refletimos e dirigimos nossa vida. Se não pensarmos nossa cosmovisão, acabaremos facilmente aceitando outra. Precisamos pensar sobre nossa própria cosmovisão, se queremos levar o outro a refletir sobre a dele. Assim, devemos refletir sobre nossas crenças em Deus, na metafísica, epistemologia, conhecimento, ética e antropologia — estas são as áreas que toda cosmovisão tenta abarcar e sedimentar em nossos corações.

O capítulo VIII falará do método schaefferiano para revelar e denunciar a paralaxe cognitiva. O método apologético de Schaeffer consiste em mostrar ao outro o seu ponto de tensão entre a verdade que ele propaga conhecer e aquela que ele vive de fato. Entre a teoria especulativa e o mundo criado por Deus, mundo este em que todos nós nos inserimos, há sempre uma tensão, uma incoerência, porque as cosmovisões não-cristãs são fugas da cosmovisão cristã, portanto, são fugas da realidade. Assim, o método apologético de Schaeffer consiste em desnudar essa tensão, mostrando a incoerência não só daquilo vivido (ou não vivido) pelo outro, mas o absurdo de vivermos por aquela especulação. Nesse capítulo, eu gostei muito da ideia das “verdades inconvenientes” de Scruton. Fugimos delas e para sobrevivermos a elas até mesmo há um consenso do grupo maquiando e negando essas verdades. Há mesmo um esforço mútuo para nos livrar de enfrentarmos esse desmascaramento de nossas tensões e inconsistências. Além disso, lembra-nos o autor, há o temor das consequências sociais embutido nessa crise toda: “o que falarão de mim?”; “se eu voltar atrás, será uma vergonha” etc.

Uma vez compreendido o método schaefferiano, há duas possibilidades de confusão quanto ao método, segundo o autor: o “argumentum ad baculum” e a “afirmação do consequente”. A primeira refere-se a quando rejeitamos um pensamento como um todo, por causa de uma consequência ruim. “Se Deus existe (X), então terei que parar de ter uma vida libertina (Y). Não gosto de ter que parar de ter uma vida libertina (Y). Portanto, Deus não existe. Esta falácia é, na verdade, uma negação da realidade e revela como age o nosso coração rebelde com a realidade de Deus. Como o autor diz, esse argumento suprime a verdade sobre Deus para que possamos continuar no ídolo. Há uma outra questão nesse tipo de argumento: ele avalia o pensamento (a cosmovisão cristã) pelas consequências ruins que existirão para a vida dele. Isto é, se existem consequências ruins, então a cosmovisão é errada. Além de ser um pensamento esquivo, gera um contrário não verdadeiro: por haver consequências positivas, então uma cosmovisão seria verdadeira? A isto chamamos de “afirmação do consequente”. O que a “afirmação do consequente” está tentando argumentar é o seguinte: “se adoto uma cosmovisão correta, posso ter uma vida significativa e de valores” (X); tenho uma vida significativa e de valores (Y); portanto, tenho uma cosmovisão correta (X). Esta falácia pode estar incorreta por várias razões, pois poderiam existir várias causas para o efeito. Entretanto, o ponto do método schaefferiano está em apontar que a vida que se está vivendo (positiva e cheia de significado) está em paralaxe da cosmovisão que a pessoa pensa seguir — lembre-se, a paralaxe é inconsciente. Precisamos mostrar a incoerência. O autor nos explica:

“A argumentação se dirige a demonstrar que outras visões de mundo são incompatíveis com a realidade e inviabilizam a natural busca pela felicidade que está estritamente vinculada à vida significativa e de valores. Ou seja, é preciso demonstrar a viabilidade da primeira premissa, e isso se faz por várias vias. Ou se mostra que não adotar uma visão de mundo verdadeira implica em loucura e prejuízos, ou que as implicações da visão de mundo não-cristã inviabilizam o significado e os valores. Cada caso pede uma via de argumentação”.

Enfim, a tese schaefferiana é esta: “Se e somente se adoto a cosmovisão cristã, posso ter uma vida significativa e de valores (X). Adotei a cosmovisão cristã (Y). Então, posso ter uma vida significativa e de valores (X)”. Todavia, o autor nos diz que Schaeffer viu que alguém poderia alegar que vive uma vida significativa e de valores sem ser cristão, o que inviabilizaria a tese de Schaeffer. Entretanto, Schaeffer esclarece que ele não está dizendo que as pessoas não-cristãs não possam estar vivendo uma vida significativa e de valores. O que ele está dizendo é que, sendo sua vida significativa e de valores, sua cosmovisão não dá conta de explicar o porquê disso — é a paralaxe. Entretanto, a minha dúvida (além de ver como o autor vai explicar que o cristianismo também não possa ser acusado de paralaxe, embora agora, nesta altura do livro, eu já perceba sua resposta), é diante destas palavras seguintes de Schaeffer: “… o problema é que eles não têm um sistema para explicar a correlação entre sujeito e objeto. Esta é a sua maldição, esta é a sua tensão, ter de viver à luz da sua existência, à luz da realidade — a realidade total em todas estas áreas — viver ali, por mais que não tenham explicações suficientes para nenhuma dessas áreas. Assim, quanto mais sábios são, quanto mais honestos são, mais se sentem tensionados, e esta é a sua maldição presente”. Qual a minha dúvida? Seria, então, a pós-modernidade uma fuga dessa tensão, que, inevitavelmente, a modernidade lança os homens? Se algo assim se coloca, Schaeffer ainda falaria aos pós-modernos, que abdicaram da coerência e da consistência?

No próximo capítulo, o X, o autor nos alerta que este método schaefferiano pode ser cruel nas mãos de cristãos imaturos, pois ele poderia deixar a pessoa numa situação pior do que ela estava antes. Sem chão, vendo o absurdo de sua cosmovisão que não lhe dá fundamento para a vida que ele leva. O cristianismo é a verdade e oferece esse fundamento. Todavia, se a pessoa é desnudada e sai dali sem aceitar o cristianismo, então, sua situação será pior do que antes. Por fim, ciente disso tudo, precisamos ser gentis com as pessoas sobre as quais estamos aplicando esse método.

O capítulo XI confirmou minhas dúvidas… Ou o autor se traiu ou, de fato, é um método para um público muito seleto ou acadêmico. Enfim, não é um método para a dona de casa e o padeiro ali da esquina. E eu volto a perguntar: é um método para os pós-modernos?

Finalmente, no capítulo XII, é tratado se o método pode ser usado contra nós. Essa “invertida” tem nome: “tu quoque”, que é quando nosso interlocutor, vendo-se desnudado, devolve a crítica contra nossa crença, mostrando que falha semelhante também ocorre conosco. Embora seja uma falácia, o autor nos orienta a mostrar a ele que “defender-se acusando” é uma falácia; depois, precisamos nos defender da acusação e, enfim, reforçar o desafio que lançamos sobre ele quanto sua inconsistência. Mas como nos defender de sermos acusados de paralaxe cognitiva? Primeiro, o autor nos diz que o próprio cristianismo ensina sobre a doutrina da pecaminosidade de todo ser humano e isto danifica a nossa relação de consistência; associada a essa doutrina está a doutrina de que somos transformados pelo Espírito Santo, e isso significa que alguma coisa será transformada e transformados continuaremos sendo transformados sempre. Em outras palavras, devemos amar uns aos outros, segundo o novo mandamento que Cristo nos deu, lutando para mostrar que somos melhores do que antes: “se o cristianismo é verdadeiro, é necessário que (a) qualquer cristão seja melhor do que ele mesmo seria se não fosse cristão; e (b) todo aquele que se tornar cristão seja melhor do que era antes”.

Todavia, quando o autor cita Blaise Pascal, acredito que ele dê um tiro no pé do próprio argumento. Veja o que Blaise Pascal diz:

Quem julgar a religião dos judeus pelos grosseiros, a conhecerá mal. Ela está visível nos livros e na tradição dos profetas […]. Assim a nossa religião é divina no Evangelho, nos apóstolos e na tradição, mas é ridícula naqueles que a tratam mal. O Messias, segundo os judeus carnais, deve ser um grande príncipe temporal. Jesus Cristo, segundo os cristãos carnais, veio dispensar-nos de amar a Deus e dar-nos sacramentos que operam tudo sem nós; nem um nem outro é a religião cristã, nem a judaica. Os verdadeiros judeus e os verdadeiros cristãos sempre esperaram um Messias que os fizesse amar a Deus e por esse amor triunfar de seus inimigos.


Após essa citação, o autor diz que era o mesmo argumento já tratado no capítulo IV. O problema é que, então, estamos aceitando o argumento de que ninguém vive 100% de acordo com sua teoria e nem por isso a teoria pode ser descartada. No capítulo IV, esse argumento é usado para defender a filosofia como caminho para a felicidade e também defender o estoicismo. Agora, Pascal o aplica para defender os verdadeiros judeus e os verdadeiros cristãos. Tudo isso junto, revela que esse argumento acabaria por redimir todas as crenças, todas as religiões. Diante disso, se podemos justificar o que seria uma possível paralaxe cognitiva do cristianismo dizendo que todos somos falhos e que isso não pode ser usado para desmerecer a teoria, eu só posso concluir, portanto, que isso pode também ser alegado por quaisquer outras religiões, filosofias e crenças. Sendo assim, o que haveria de diferente no cristianismo? Schaeffer chamou seu método de um “pré-evangelismo”, isto é, uma preparação para a apresentação do evangelho. Essa preparação é “tirar o telhado” do outro para que ele veja sua própria inconsistência entre o que crê e o que vive. Aqui, não se está tratando da hipocrisia. Mas é para que ele veja que suas crenças são insustentáveis na vida real e, por isso, a própria vida dele é uma mostra disso. Porém, volto no caso dos kamikases. Coerentemente à teoria de suas crenças, eles se matavam. De semelhante modo, houve niilistas que se suicidaram. O que eu quero dizer é que se os casos de incoerência não invalidam as crenças (este é o argumento de Cícero, Marco Túlio, Schaeffer e Olavo), do mesmo modo os casos de coerência não fazem das crenças verdades! Logo, talvez não seja uma questão de “desconstrução” da cosmovisão alheia num trabalho de pré-evangelização, mas mostrar que a salvação continua vindo dos judeus. Dito de maneira diferente, as respostas que suas perguntas buscam continuam sendo encontradas, tão somente, na Bíblia.

O autor ainda trará um capítulo para demonstrar que esse método é bíblico. Aqui, fica uma nota fantástica à genialidade do autor, pois, para mostrar que o método é bíblico, ele usa Paulo e Tiago. Ambos autores são vistos no romanismo (de Olavo) como contraditórios. Contudo, o autor aproveita para mostrar que Paulo e Tiago estão seguindo o mesmo curso e não há contradição entre eles. Neste capítulo, fica claro que o método não pode ser um mero “desconstrucionismo” da cosmovisão alheia. Paulo e Tiago começam a apresentação do evangelho e o apelo à santidade mostrando a lei de Deus, partindo dela, pois é ela que tira o telhado do homem (e não uma desconstrução meramente dita da crença do outro). O mau estar não se dá por um vácuo em que colocamos o outro ao expor a falência de sua cosmovisão, mas esse mau estar é fruto da apresentação da lei que condena a todos nós. Todavia, acho que há uma diferença entre um “pré-evangelismo”, que pretende “tirar o telhado” do outro, e a apresentação da lei de Deus, que já faz parte do próprio Evangelho, pois a lei tem como sua finalidade apontar a resposta ao homem condenado por essa mesma lei. Para mim, é uma ênfase que faz muita diferença: 1) ou “como” eu apresento o evangelho, apresentando a lei, que apontará a Cristo, 2) ou apresentando as falhas de sua cosmovisão, sabendo que as críticas que eu fizer às inconsistências “teoria/prática” podem ser devolvidas a mim também?

No fim, o método schaefferiano pode cair num eruditismo complicado. E isto pode ser visto na bibliografia mínima que o autor levanta para que você conheça a fé cristã. Temos que tomar cuidado, pois o cristianismo continua puro e simples, ainda que não ingênuo e simplista. E a conversão continua a ser obra exclusiva do Espírito Santo, por meio de se ouvir a pregação sobre Cristo (Rm 10).

                        Fábio Ribas

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Carlos Nejar é um poeta recém-descoberto. Todavia, ele publica vasta e variada literatura desde 1960. O currículo a seguir, retirado de uma ...